quarta-feira, 11 de outubro de 2023

favoritos #2

me dei conta de que a única vez que fiz um post de favoritos aqui no blog foi há quatro anos. na época, eu tava lendo mulherzinhas e tinha gostado muito de lost in translation - fato que gerou a primeira interação entre mim e o henrique, meu namorado, que me mandou mensagem no instagram dizendo amar o filme. 

como tenho acessado conteúdos legais nos últimos tempos, resolvi fazer um favoritos #2. venho pesquisando eventos culturais na cidade, palestras com escritores no youtube, reality shows divertidos, podcasts literários, oficinas de escrita, shows no sesc — uma tentativa de fincar os pés no chão, de me conectar com a vida. vou dividir um pouco disso com vocês.

01. esse episódio do podcast 451 MHz, no qual noemi jaffe e a vanessa ferrar conversam sobre escrita. eu amo estudar formas de escrever melhor, então ouvir esse bate-papo foi muito bom. tanto que acabei comprando o livro da noemi depois, o escrita em movimento

02. essa entrevista que a djaimilia pereira de almeida deu pra stephanie borges, que ouvi depois de ler esse livro impecável, também sobre escrita: o que é ser uma escritora negra de acordo comigo. no livro, a conversa entre as duas escritoras virou o segundo capítulo. bonito demais como a djaimilia reivindica o direito de pessoas negras à subjetividade. 

03. a música canopée (de uma dupla francesa chamada polo & pan), que tenho achado muito gostosinha de ouvir. 

04. o livro a água é uma máquina do tempo, da aline motta. no meu perfil no goodreads, escrevi: peguei pra folhear na martins fontes, mas me envolvi tanto que acabei de ler em meia hora. agora, quero comprar uma edição pra mim e poder ler novamente, com mais calma. lindo demais.

tenho me interessado muito por textos sobre luto, porque me ajudam a pensar em ideias para o livro que prometi pro meu avô, em nossa última conversa, que escreveria. por isso, tudo o que envolve memórias tem sido ponto de atenção pra mim, especialmente quando relacionado à literatura, à escrita. 

nesse livro, a autora mistura arquivo e fabulação - algo que eu já havia achado incrível ao ler saidiya hartman, que também faz isso bem demais. a partir dessa construção, aline expressa o luto da mãe e reconstrói um pedaço da história de outras antepassadas suas. 

05. esse texto da rachel cusk sobre annie ernaux na quatro cinco um de julho. mais um sobre subjetividade que me pegou demais. 

sexta-feira, 28 de julho de 2023

minha breve experiência no twitter

dia desses, o henrique veio com o celular até mim para mostrar a última treta do twitter: implicaram com uma produtora de conteúdo (que a gente adora) porque, veja bem, ela estava, repare, tomando uma cervejinha. zombaram do jeito como ela posou para o vídeo, argumentando ser falso, e reivindicaram, por meio de oito ou dez palavras, seu famigerado e supremo poder de julgamento-de-pequenas-causas. nem procurei, mas tenho quase certeza que rolou até 'siga o fio'. tudo isso por conta de uma cervejinha. repito, uma cervejinha.

sei lá. foi exatamente esse tipo de coisa - de gente amargurada - que me fez sair do twitter. desativei há algumas semanas e tô contando os dias para que, um mês depois, minha conta simplesmente desapareça da face da terra e minha singela participação nessa rede social se extingua. puff. jamais estive aqui.

até 2020, eu não sabia usar o twitter. não entendia como funcionava, achava o layout todo confuso e me sentia uma senhora de 103 anos olhando um microondas. quando comecei a me interessar pelo henrique e descobri que lá ele não era tão low profile como no instagram, criei uma conta. o que era pra ser só uma razão para me aproximar do meu, na época, crush se tornou um labirinto sem fim que misturava questões sociais complexas com episódios de big brother, mirabolantes embasamentos críticos onde não precisa ter embasamento algum e muito cancelamento. 

(lembro que entrei bem na época que aquela moça que tirou o siso foi massacrada porque postou que o pai havia comprado vários potes de bacio di latte para ela. rapaziada ficou fervorosa. rolou até dissertação sobre paternidade ausente.)

já naquele período eu me sentia meio confusa. comentava esse incômodo com o henrique e ele dizia 'bem-vinda ao twitter' e a gente ria. eu pensava que era só questão de costume e, por um tempo, realmente foi. quando me dei conta, havia aprendido a coreografia e tava me tornando mega reativa com coisas estupidamente banais. um monte de gente, eu inclusa, pegando experiências singulares de tweets como 'eu gosto muito desse chocolate' para comentar QUE BOM QUE VOCÊ TEM DINHEIRO PARA COMPRAR UM PORQUE EU NÃ

(...)

parece que acessei o pior do ser humano a partir de mim mesma. e nem exagero ao escrever isso. estar no twitter por quase dois anos foi uma experiência quase antropológica. entrar lá era como abrir uma porta de um cômodo com isolamento acústico e me deparar com quinhentas vozes gritando ao mesmo tempo. fechar essa porta foi um alívio. agora só ouço sons abafados.

aguentei o máximo que pude, botando na cabeça que podia estar ali apenas para ver uns memes e postar coisa bonitas, mas não compensava. twittar coisas que uma ou outra pessoa achava motivo de inspiração era me enganar. no fim das contas, não valia a pena nem falar dos livros que eu tava lendo. parece não caber poesia no twitter. você tá lá vendo um cachorrinho sendo adotado e, de repente, se depara com alguém se achando sarcastiquíssimo, bem naquela vibe she is so crazy i love her, falando bobagem. muito difícil controlar a vontade retweetar essas pessoas com um 'cara, você é muito chatinho'.

é curioso perceber que as redes sociais fazem a gente achar que a gente é muito importante quando na verdade ninguém se importa. meio que tá todo mundo tentando falar mais alto que o outro, criar uma imagem robusta de si, quase impecável. fico me perguntando porquê me embrenhei no twitter e nem sei o motivo. algo me diz que tem a ver com minha necessidade de me ver parte das coisas, quase uma forma de provar que eu também posso, ainda que esse poder seja meramente entender a sutileza da ironia de um tweet bem construído. dizer: eu vi essa piada e consigo rir junto, estou por dentro disso aí. mas cansei. de repente, me pareceu mais legal simplesmente não saber. desocupar espaços. me permitir ser mediana, por vezes medíocre. 'o que você tem a dizer sobre isso, mariany?'. nada. nem vi. 

quarta-feira, 10 de maio de 2023

poesia ainda que discreta

por quase três décadas, eu fingi que a depressão não era coisa minha. vivi como se ela não estivesse ali. dava medo de legitimar sua existência e me perder de mim mesma. era como se, ao me decretar deprimida, eu apertasse um botão que me empurraria em direção a uma imensidão dolorosa, eterna, assustadora. tipo fundo do mar, universo.

estar deprimida era, para mim, abandonar a poesia da vida. 

teve um dia que a angústia me sufocou feito blusa apertada, dessas que de gola estreita, difícil de passar no pescoço. resolvi ir até a janela dar uma choradinha depois do trabalho. lembro que olhei para o prédio da frente e me deparei com outra janela, do lado oposto da avenida. era um cômodo de luz amarelada e não dava pra ver nada além da iluminação, mas me pus a imaginar. criei na minha mente a pessoa que morava ali, a disposição dos móveis, a cor do tapete. pensei se aquela pessoa, ruth, nair, laura, talvez maria, por acaso também estaria triste, se havia pedido algo no ifood, se, assim como eu, ouvia sp tv segunda edição pela televisão da sala. foram cinco minutos, não mais que isso, observando aquele quadrado. não me tirou a angústia, mas aliviou a ponto de eu parar de chorar e ferver água para um chá. 

sou assim desde pequena. gosto de reparar nas sutilezas, observar o que me cerca. como eliane brum uma vez escreveu, o ordinário da vida é o extraordinário. talvez por razão de sobrevivência ao vazio da vida, que sempre me assustou, aprendi logo cedo a me conectar com o que parecia pequeno. sabia, desde a época em que eu ia sozinha ao cinearte-posto-4 ver filmes desconhecidos por R$1,50, que só a vida não bastava. (anos mais tarde, descobri que ferreira gullar havia dito o mesmo.)

ainda sim, de vez em quando a poesia me escapava, igual adélia prado conta no poema paixão: às vezes, ela olhava pedra e via pedra mesmo. por muito tempo pensei que a depressão fosse fazer o mesmo comigo, porque estar deprimida parecia ter nada a ver com poesia. e nem é sobre ser bom ou ruim, porque obviamente é ruim. na poesia não cabem maniqueísmos. ainda sim.

em seu poema, adélia prado anuncia que não fará poesia sobre nada. talvez estivesse desiludida como eu fico quando me vejo em crises. mas ao falar que não escreveria, adélia escreve. não lhes farei um verso. e lhes faz. hoje, enquanto eu passava xampu e torcia pra fazer espuma, reparei que meu olhar poético, apesar de turvo, permaneceu comigo mesmo nos dias mais dolorosos, aqueles nos quais meu corpo ameaçava virar poeira e eu temia perder o controle que imaginava ter sobre mim, passando a vagar como algo sem vida. 

enxaguando o cabelo, percebi então que, mesmo ao ver pedra, jamais me desconectei das bonitezas. a poesia nunca foi embora.
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