Em algum momento da vida, aprendi que eu só poderia me sentir tranquila por meio de pequenas realizações do dia, tais como:
contemplar a caixa de entrada do gmail vazia;
passar o rodinho na pia depois de lavar a louça;
grapear o comprovante de pagamento no boleto e guardar na pasta de contas pagas;
visualizar todas as mensagens do whatsapp (bônus: respondê-las!);
ter nítidas na mente as tarefas dos próximos cinco dias;
dormir sabendo que a marmita do dia seguinte tá pronta na geladeira, dentro do pote.
Até que um dia me dei conta de que a vida é uma grande macarronada - com um monte de ervilha que eu não pedi - e que o jeito mesmo é buscar paz durante a realização das tarefas, não apenas em sua conclusão. Nessas, acabei abraçando tudo o que veio pela frente, da quebra de máquinas de lavar a filas de banco que duram mais que o previsto.
Quem me ensinou isso foi a Lili Prata, que há anos me mostra por meio de seus vídeos que a vida adulta pode ser bonita. Agora ela também tem um podcast (o Proibido Fritar Pastel), que grava junto a um amigo, o Gael - outro anjo. Ouço toda semana porque saber como eles enxergam o mundo me faz bem demais.
Em um dos episódios, não lembro ao certo qual foi, aprendi como é libertador aproveitar momentos como lavar a louça. Sempre via essas tarefas como pontos fora da curva, sabe? Ou pior, inimigos a serem aniquilados, visando a harmonia da minha existência diária. Só que a energia que eu gastava me arrastando até a pia, como se limpar panelas e pratos fosse uma penitência, costumava ser maior que o ato de lavar. Acabava que a louça era limpa e a sensação de tempo perdido aumentava, até porque o que devia ser feito sempre estava no futuro, nunca no agora (assunto para outro texto).
Continua sendo gostosa a sensação de passar o rodinho na pia limpa, mas deixou de ser meu foco. Se lavei metade dos copos e deixei o resto para depois, tudo bem também. Inclusive, parei de querer ver o apartamento sempre limpo e arrumado, porque 1) minha vida não é o pinterest e 2) ter roupa na cadeira da escrivaninha aguardando para ser dobrada - por dias - significa que mora gente nessa casa, e eu gosto disso.
A pasta de newsletters do meu gmail está com seis não lidas; comecei o mês passado lendo Jane Eyre para participar do Leia Mulheres do último sábado, mas no dia acordei de ressaca e exausta (não fui, mas sigo lendo o livro, o qual não tenho a mínima pressa de terminar); faz três dias as únicas notícias de política que leio são as relacionadas ao desastre que o atual governo vem causando nas universidades federais (porque aprendi a selecionar as desgraças que a agenda jornalística nos empurra goela abaixo, sem entretanto me alienar) & tantas outras coisas poderiam ser mencionadas como forma de mostrar como pensar por essa perspectiva vem me ajudando a ter paz.
Essa e outras descobertas são recentes na minha vida, a maioria fruto dos episódios ouvidos do Proibido Fritar Pastel. Tenho a impressão de que todas elas estão conectadas, o que torna difícil separá-las e transformá-las em postagens únicas. Tratei de salvar algumas no bloco de notas do celular, mas leio hoje e não encontro o gás para dar vida a elas, porque tem coisa que se perde ou resolve descansar. No fundo, essa é a macarronada (com ervilhas que aprendi a comer sem reclamar) sobre a qual comecei falando neste texto: há ideias se transformam em textos ou vídeos, mas tem aquelas que não querem se transformar em nada, e tudo bem. Durante um bom pedaço da vida, achei que tivesse que transformar em palavras tudo o que eu aprendo, porque esse monte de coisa não cabe em mim, preciso compartilhar. Só que algumas coisas não saem como gostaríamos, e muitas vezes nem saem. Ó aí, mais um ensinamento, desses que vêm sem querer: tem coisa que basta viver.
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