segunda-feira, 30 de novembro de 2020

o que dois mil e vinte fez com o tempo

então, a gente cresce e percebe que aquele clichê do “o tempo é o melhor remédio” é tão real quanto as letras que brotam na tela em branco do meu computador neste momento. melhor: é real como a xícara de café que acabei de tomar, porque xícaras me parecem mais palpáveis que letras digitadas no google docs. bem, talvez nossa ideia de materialidade seja subjetiva e algo que para mim é concreto para você nem seja tanto. o que quero dizer com esse parágrafo que já dura mais do que eu supunha é que esse papo de o tempo curar dores é tão concreto quanto o prédio onde eu moro.

quando a nayara chegou até mim no recreio de uma quarta-feira distante e disse que contaria para todo mundo que eu gostava do guilherme da quinta-série B, eu pensei que fosse morrer. minhas pernas cambalearam. meu coração acelerou. acho que até minha pressão caiu. eu, aos onze anos, estava prestes a ser desmascarada — porque nessa idade você não quer que o menino de quem tu gosta descubra sua admiração. minha sorte foi que, naquele mesmo dia, descobri que a nayara gostava do felipe da quinta-série A. foi a primeira (e única) vez que chantegeei alguém. 

agora, quinze anos depois, o medo de que o guilherme da quinta-série B descobrisse meu segredo não me parece duro. tenho empatia pelas dores e angústias passadas, mas sinto que, hoje, tal descoberta não seria um problema. se a nayara tivesse dado com a língua nos dentes, eu apenas teria um pedacinho de trauma amoroso para acrescentar a tantos outros vividos posteriormente. nada além disso. a dor se dissipa, o medo se esvai. o que antes era meu-deus-do-céu-não-vou-suportar hoje é ata

o tempo cura.

lembro de quando pedi demissão pela primeira vez. eu trabalhava na farmácia do bairro, mas por um monte de motivos dos quais não me recordo, precisei abrir mão do serviço. ei, pera, acho que eu me lembro de um deles: eu tava morrendo de medo de virar adulta e trabalhar com coisas que não me faziam tão feliz. o ponto é que, no dia em que pedi demissão, eu tava apavorada. fui me tremelicando da cabeça aos pés até a sala do gerente, o paulo. depois de falar sem parar por cerca de cinco minutos, pedi desculpas por não poder continuar na equipe.

— poxa, que pena! — ele disse — a gente gosta tanto de você. será que não dá pra você mudar de função? em vez de ficar no caixa, a gente te coloca no balcão de atendimento...

— não, obrigada — eu respondi, sem graça — eu gosto de outras coisas… 

— vamos pensar em outra função pra você — ele insistiu  — do que você gosta? 

— de escrever.

ele ficou me olhando, confuso, igual minha mãe quando eu dizia que queria bolo de milho pro café e só tinha ingrediente pra fazer de chocolate. 

a demissão foi aceita. no dia seguinte, meu último na empresa, me despedi da carol e do marlon, meus amigos do caixa. foi uma choradeira. os velhinhos da fila preferencial se comoveram, mesmo sem entender o que ocorria. 

senti saudade dos meus colegas por muitos e muitos meses. hoje, quase dez anos depois, não sei onde eles estão. quando passo na frente da farmácia, agora toda reformada, sinto nada além de uma leve nostalgia. 

o tempo cura.

desde que a quarentena começou, entretanto,  o tempo teve que se apressar para curar um montão de coisas. tem sido muita frustração para ele amenizar e muito frustrado para afagar. ele, o tempo, mudou. e, com isso, nossa percepção sobre ele também não é mais a mesma.  

três meses atrás, eu chorei por duas horas ouvindo músicas tristes ao descobrir que apresentaria o meu tcc por videoconferência. no dia seguinte, me vi animada combinando com a minha orientadora os detalhes da apresentação online. o mesmo ocorreu quando descobri que a minha formatura seria através de telas. chorei, urrei, mandei todo mundo que vejo em barzinho lotado sem máscara pro raio que o parta. na mesma semana, outras preocupações me tomaram e pensar na cerimônia de colação de grau não fazia mais meu coração palpitar dolorido. pensei ‘tabom, fazer o quê?’

dois mil e vinte foi não apenas a retroescavadeira que passou por cima de nós, de nossa ingenuidade perante o controle que achamos ter da vida, de nossas agendas. dois mil e vinte foi um modificador de tempo. o que antes levaria meses para sarar, precisou aprender a se recompor em horas. em um dia, você sente um nó na garganta de tanta saudade que tá dos seus pais; no outro, tá rindo por videochamada com a família, como se tivesse tudo bem. como se tivesse se adaptado.

hoje chove. olho para a janela enquanto escrevo este último parágrafo e sinto a ausência das certezas me consumir. nem dá vontade de chorar por coisas que me afligem, ainda que eu precise. é como se elas tivessem se tornado pesadamente efêmeras. ou será que sempre foram? 

crônica escrita para a disciplina de escrita criativa da faculdade


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

é que eu sou vegana

"próxima estação: santa cecília."
levanto e me apoio perto da porta, a bolsa à tiracolo. com o desacelerar do metrô, faço arte de equilibrista para não derrubar o pote de plástico que tenho em mãos. desde que comecei a trabalhar na nova agência, há um mês e pouquinho, volto para casa com um embrulho de bolo diferente a cada sexta-feira. é a dona geralda, a senhora da limpeza, que leva pra gente. dessa vez, veio até coxinha de frango, porque o neto dela fez aniversário ontem e ela fez questão de levar salgadinho pra gente. 
— cê aquece no forno que fica uma beleza, viu? — ela avisou, esticando os braços com vontade inigualável na minha direção, enquanto eu desligava o computador. 
fico feliz pela gentileza, mas sinto chateação por não poder de fato apreciar o carinho de dona geralda. “é que eu sou vegana”, eu expliquei, negando o bolo que ela me entregou na minha primeira semana no escritório. lembro bem do olhar confuso e um tanto triste que veio dela pra mim. “ve o quê?”, perguntou. não sei o que me deu, só sei que não consegui levar aquilo adiante. “ah, nada não, dona geralda!” e segurando a fatia de bolo de cenoura embalada em papel alumínio, continuei: “deve estar muito gostoso! obrigada.”
costumo me preocupar demais com o que pessoas acham de mim — o que é totalmente compreensível, especialmente quando falo de senhoras gentis que te abraçam e te dão bolo. naquele mesmo dia, enquanto o elevador me deixava no andar do meu apartamento e eu matutava sobre o destino daquele embrulho, parei em frente à porta da laura. era uma vizinha que havia se mudado para lá dias antes. toquei a campainha, sem raciocinar direito. ouvi barulho de chave.
— oi! — ela disse, um pouco surpresa por me ver ali.
estava de pijama e segurava uma caneca com alguma bebida dentro. chá? não sei, porque naquele momento meus olhos pararam nos dela. eu ainda não tinha prestado atenção em como ela era bonita. 
— olha, eu sei que é estranho —  eu comecei —, afinal eu nunca conversei com você, mas eu ganhei um pedaço de bolo de uma senhora no trabalho hoje e eu não como porque sou vegana — expliquei, atropelando as palavras. —  se não fosse isso eu realmente comeria porque, tipo, tá com uma cara boa. é de cenoura. o pessoal do trabalho diz que a dona geralda cozinha bem demais.
naquele pedacinho de instante da minha existência, tudo o que eu quis foi sair correndo. ou começar tudo de novo. quem chega assim no apartamento de uma vizinha nova oferecendo comida que ganhou e que não quer, tagarelando sem parar? 
— comida de graça? — ela respondeu, sorrindo. —  quem nessa cidade nega comida de graça? 
com um leve delay, dei risada. 
— você veio da onde? — perguntei, esticando o embrulho. ela segurou.
— floripa. tô fazendo mestrado aqui.
— uau. espero com esse pedaço de bolo ter reforçado aquele clichê do “existe amor em sp” —  e rapidamente, como se tentasse corrigir —  porque comida é amor, né? comida de graça…
— reforçou sim. obrigada! — ela concordou, rindo como se me acalmasse.
na semana seguinte, apareci na porta de laura com outro pedaço de bolo, dessa vez de chocolate. o sorriso que recebi de volta foi o mesmo. ela me explicou o que estudava e eu contei pra ela com o que eu trabalhava. 
sete dias depois, levei bolo de laranja e conversamos sobre a segunda temporada sex education, que tinha acabado de sair na netflix.
na outra semana, levei bolo de milho e ela me emprestou o amor nos tempos do cólera, seu livro favorito. 
uma semana depois, o bolo foi de fubá e a conversa foi sobre como nossos problemas são pequenos quando tomamos outros planetas como referencial. nesse dia, ela me convidou pra entrar passamos quase duas horas discutindo sobre a angústia de se perceber pequenas diante da estrela v.k.majoris que, como confirmamos no google pelo meu celular, é um bilhão de vezes maior que o sol.
fora sextas no início da noite, não nos encontrávamos. não pedimos o número uma da outra. éramos, sim, jovens adultas com vidas atribuladas, mas no fundo eu sentia que havia um pacto entre a gente. era como se os finais de sexta-feira tivessem sido decretados, oficialmente, o único dia para a gente se encontrar. quando eu me dei conta, aquele havia se tornado o momento da semana mais aguardado por mim. e algo na forma como laura me olhava toda vez ao abrir a porta me fazia acreditar que também era o mais aguardado por ela. 
depois de sair da estação e caminhar até o prédio pensando em como dizer gentilmente a ela que eu não havia gostado tanto de gabriel garcía márquez, ouço um rapaz informar ao porteiro que vai ao “apartamento 601, da laura”. finjo que procuro alguma coisa na bolsa, com cuidado para não derrubar a embalagem de plástico no chão. fico confusa, não sei como agir. faço de conta que não ouvi o que ele disse ao porteiro e simplesmente o acompanho até o meu rotineiro destino de sextas-feiras? ou puxo assunto e falo que é pra lá que eu tô indo também? a segunda opção parece indelicada. vai que ele seja algum tipo de namorado ou, sei lá. de qualquer forma, o tempo que perco pensando não me permite decidir o que fazer. quando dou por mim, estou esperando o elevador junto ao visitante. 
— ei… — eu digo, em um tom quase inaudível.  — você tá indo na laura?
ele me olha, um pouco confuso.
— é que eu ouvi você falando com o porteiro...  — e, falando mais rápido que o de costume, emendo     — enfim, eu moro no mesmo andar que ela e ia passar na casa dela pra deixar isso lá  — mostrei a embalagem  — mas como você tá indo, pensei que talvez pudesse fazer isso por mim, não sei, não quero atrapalhar…
— espera, você é a menina do bolo?  — ele me interrompe.
faço uma cara estranha de quem entendeu, mas não entendeu.
— acredito que eu seja.  — e dou risada, ainda confusa.
— fernanda, né?
— sim.
— eu sou o bruno  — ele se apresenta, abrindo a porta do elevador para eu passar.  — irmão da laura. eu costumo vir aos sábados pra almoçar com ela, mas amanhã não vou poder, então resolvi vir hoje, sem avisar. — ele aponta para a sacola de papel que carrega nos braços, onde parece ter comida.
a porta do elevador fecha. bruno aperta o número seis. 
— posso perguntar uma coisa?  — falo, sem aguentar de curiosidade. — por que você me conhece como “a menina do bolo”?
ele hesita.
— cara, na real eu não devia ter falado isso. vai soar estranho — ele mede as palavras —, mas toda vez que venho almoçar com a laura, ela me dá o bolo que você deu pra ela. 
e, como se precisasse rapidamente complementar uma informação, acrescenta: 
— mas não entenda mal!  — ele explica, sorrindo  — é que ela é vegana.

conto escrito para a disciplina de escrita criativa da faculdade

domingo, 1 de novembro de 2020

a inconstância das coisas tem me deixado cansada

tava aqui lendo o blog da clara, o liternecer, e fiz um comentário bonito. deu vontade de trazer um pedaço dele pra cá, levemente adaptado:

eu também não gosto da sensação de ficar assistindo as coisas passarem por mim, como espectadora da minha própria existência (poéticahhh), mas tem dias que não dá pra me conectar comigo mesma. desde ontem, eu ando meio borocoxô, desanimada (...) a sensação que tenho é que até dia 7/12, quando apresentarei meu tcc, algumas coisas da minha vida ficarão meio suspensas. inclusive ler. tô lendo 'a elegância do ouriço' há dois meses, um pouquinho de cada vez quando dá vontade, e quase nunca dá. parece que eu mesma me afasto de coisas que me aproximariam de mim. que doido, né?

quando me sinto assim, desconectada de quem sou, gosto de ficar quietinha. foi um pouco disso que a clara falou no texto dela, inclusive. no meu caso, eu sinto urgência de desativar meu instagram, pedir à pessoa que mora comigo um pouco de espaço, escrever no meu diário - ou no blog, como agora -, enfim, fazer coisas que eu sinto que me aproximam de mim, ainda que devagar. se eu não paro, minha cabeça permanece chiando, igual panela de pressão. tenho medo de explodir.

a efemeridade das sensações tem me assustado. eu encaro o google docs aberto e olho pro livro que tô escrevendo para me formar jornalista. me vem um sufoco de dentro, como se  me apertasse toda. segundos depois eu respiro, olho pras árvores lá fora, e penso que não é de todo ruim. de repente, parece simples, a ponto de me dar vontade de apresentar meu trabalho naquele exato instante, tamanha confiança. tem sido assim há meses, em outros pontos da vida. olho de um jeito, fico doida, olho de outro, passa. a inconstância das coisas tem me deixado cansada.

o que resta é acolher, respeitar. uma hora passa.

sábado, 12 de setembro de 2020

pedaços de filmes bonitos

faz tempo que não apareço aqui pra sugerir alguma coisa que vi e achei legal, de um jeito despretensioso, bem blogueira 2006 da época do cursor com gliter. pois bem, cá estou eu pra dividir com vocês um canal do youtube que descobri ontem, pelo qual tô apaixonada. 

o canal se chama the beauty of e foi criado por um francês chamado marc, que é apaixonado por cinema. nos vídeos, ele reúne as cenas mais bonitas de vários filmes. conheci seu trabalho por acaso, quando apareceu o vídeo que ele editou de harry potter (que é PERFEITO). além desse, vou deixar outros que são de filmes que eu amo pra vocês sentirem a emoção. vale a pena procurar no canal se tem vídeo de filmes que vocês gostem também!




domingo, 9 de agosto de 2020

minha breve ida lá fora para pagar a pizza

semana passada, ao descer a pequena escadaria do prédio para pagar o entregador de pizza, reparei que a caixa dos correios estava abarrotada. não a minha, com o número do meu apartamento, mas uma caixa retangular amarela que fica pendurada na grade do portão, onde as correspondências são deixadas antes de serem divididas entre os apartamentos. dei boa noite ao entregador.

crédito ou débito?

digitei a senha do cartão e, enquanto aguardava, tratei de abrir a caixa amarela para ver se alguma das encomendas era para mim. logo no primeiro pacote de papel pardo, o meu nome. fiquei animada.

(eu fico feliz quando chega coisa pra mim pelo correio, especialmente em tempos de isolamento. um pedaço do lá fora que vem direto para minha casa, embalado com o meu nome. é uma sensação boa.)

segunda via, moça?

enquanto negava, reparei que o pacote debaixo também estava endereçado a mim. olhei o último, lá no fundo, e hesitei. será? verifiquei, meio atrapalhada, apoiando o peso na grade do portão. meu nome novamente. 

o motoboy deu uma risadinha que só vi que era risada pelo olhar, porque ele tava de máscara. deve ter achado estranha aquela cena. eu, de chinelo e meia, o cabelo revirado, equilibrando três pacotes de livros e uma caixa de pizza. por um momento, enquanto subia de volta os degraus, quase me virei para explicar: "é que eu não saio de casa há três semanas." 

mas achei que soaria desrespeitoso. sei lá, eu fico meio desconfortável atendendo o entregador com cara de quem tá podendo ter o direito básico de estar em casa em uma pandemia. ao mesmo tempo, sei que não deveria. não é justo que a responsabilidade de um sistema que lucra com a exploração desenfreada seja jogada sobre mim, mera proletária de vinte e poucos anos. e com essa reflexão sociológica, que durou cerca de cinco segundos, fechei a porta da escadaria. a quarentena tem dessas.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

faz meses que só uso chinelos

dia desses, olhei para o suporte de calçados preso atrás da porta do banheiro e deu saudade de calçar meus sapatos. são poucos. uma sandália de borracha, um oxford e dois tênis, um para exercícios, outro impermeável para qualquer ocasião. faz meses que uso apenas os chinelos, que ficam soltos pelo apartamento. teve o dia, porém, em que, ao me vestir para ir ao mercado, reparei que chovia. em todos os meus vinte e seis anos, não me lembro de caminhar tão empolgada até o banheiro e afastar a porta para pegar um sapato. dentre as opções, escolhi o tênis branco (o impermeável) e me vi contente ao tirar dele a poeira e calçá-lo. assim, com ele nos pés, senti a nostalgia de uma vida anterior que, embora seja mesma de agora, ganhou outro significado. ou pelo menos aprendeu a valorizar dias sem chinelos.


sábado, 30 de maio de 2020

"agora é o tempo inchado até os limites"

parece que a minha vida pausou.

foi o eu disse na análise semanas atrás. quando tudo isso começou, eu até cogitei suspender as sessões. parecia que não havia nada novo a ser dito. aquela sensação, agora distante, de ter sempre uma novidade para contar pra psicóloga de repente não existia mais. a cada atendimento, feito à distância, crescia em mim uma ansiedade estranha, como se eu devesse àquela ouvinte assuntos intermináveis, dúvidas colossais, tristes histórias de amores não correspondidos, medos que me assombravam nas inúmeras decisões que acreditei precisar tomar. toda terça-feira, às quatro, passei a ser soterrada pela brutal necessidade de preencher silêncios. 

foi quando eu anunciei à psicóloga que faria da falta de assunto um assunto. 
ela gostou da aposta e, então, me perguntou o que eu tinha feito naquela semana.
eu respondi que tinha voltado a escrever no meu blog.
ela pausou e indagou: me conta essa história de blog.
eu ainda não falei do meu blog?
não.
que estranho. já faz quase cinco meses que a gente conversa.
pois é.

e então eu falei que foi aos quinze que criei meu primeiro blog e que bem antes disso eu já publicava pequenas crônicas no recanto das letras, site do qual meu professor de português da sétima série me incentivou a participar. conversamos sobre minhas referências literárias e sobre como eu amava falar sobre livros, estudar teorias voltadas ao tema, escrever sobre. no final da conversa, ela comparou minha vontade de falar sobre a falta do que falar com as escrevivências de conceição evaristo e eu terminei aquela sessão me sentindo flutuar pelo pequeno apartamento onde moro. lembro que passei um café e fiquei olhando a janela que dá pra rua sem saída do meu prédio. algo em mim floresceu naquele instante. até então, eu havia achado que o desassossego que me constituía antes da quarentena era tudo o que podia ser chamado de manie. que inocência a minha. naquela conversa, percebi que o que eu sou sempre esteve bem mais no fundo, quase escondido por tanta informação, por tantas perguntas. por tanta preocupação.

ao me deparar comigo mesma eu reencontrei o movimento da vida. sim. neste momento, estou viva. minha existência vai além da paralisação do comércio, do trabalho como eu o conhecia, dos planos de apresentar tcc e me formar e fazer festa pra reunir a família e os amigos e pegar diploma e me mudar e tantas outras coisas. eu existo além disso. meus desejos permanecem em mim na medida que eu também permaneço.

retirar desse período o caráter de transição tem feito com que eu viva meus dias sem esperar por um futuro. o tempo é uma criação nossa. o depois não existe. 

terça-feira, 12 de maio de 2020

carta de aniversário para marcia

esta é uma carta de aniversário para marcia, também conhecida como aquela que, aos 23 anos, me deu à luz. porém, não quero falar sobre maternidade, nem sobre como ela é uma filha incrível ou qualquer outro papel que ela desempenhe nessa existência. hoje, o que importa é ela.
fazer jornalismo me ensinou o poder das palavras. quando descobri que poderia juntá-las de forma que fizessem sentido para quem as lesse, percebi que poderia fazer delas algo grandioso (inclusive presentes de aniversário). pois bem, embrulho os parágrafos a seguir em um papel bem bonito e envio, virtualmente, para santos, onde marcia comemora hoje seus 49 anos.
vamos voltar para 2004, quando ela conseguiu ingressos de última hora para me levar ao show do sandy & júnior. foi meu primeiro show, bem como o primeiro que vi da pista, no meio da galera.  durante o "vamo pular", uma pessoa ao meu lado desmaiou. eu, aos dez anos de idade, arregalei os olhos diante da cena. os amigos dessa pessoa a carregavam do jeito que dava, abrindo caminho na multidão tal qual moisés fez com o mar. permaneci com os olhos bem abertos, assustada, sem saber se continuava pulando ou se observava a cena como se fosse um bonequinho do the sims quando tem objeto novo na casa. marcia, no meio da empolgação  até hoje acredito que me levar àquele show foi apenas uma desculpa para que ela mesma se divertisse  olhou bem nos meus olhos e afirmou, com uma certeza poucas vezes vista na história da humanidade: "é normal, ignora. continua dançando!"
deve ter dado pra perceber que marcia não é o tipo de pessoa que curte ver shows sentadinha em cadeira comendo petiscos, muito menos em área vip. ela gosta mesmo é de muvuca. não importa se é rock ou pagode: pra ver o artista tem que ser bem de perto. "que graça tem? se for pra ver de longe eu ligo na multishow". em sua lista de shows, destacam-se zeca pagodinho, sorriso maroto, edson (do edson e hudson, show que ela viu na pista premium em bertioga, mas essa é uma longa história), nx zero (ao qual iria sozinha, não fosse a sobrinha, vinte e poucos anos mais nova, que decidiu acompanhá-la). até show do elton john ela foi, acreditam? ano passado, a tv local de santos anunciou que ele faria um show gratuito na praia, de frente para um hotel famoso. foi o que ela entendeu enquanto preparava o almoço. lá foi marcia, toda animada, ficar perto do palco. a animação durou praticamente o show inteiro. "não acredito nisso! é o elton john!". foi aí que, perto do encerramento, o artista levantou a mãozinha pra cima e entoou, a plenos pulmões, sua mensagem final "vamo lá galera, na palma da mão!". em português mesmo.
falar em música quando se fala da marcia torna-se um dado incompleto se não houver menção ao ricky martin. é ele seu maior ídolo, desde a adolescência, quando o artista participava do grupo menudo. a grande sensação da época era decorar todas as coreografias, muito além da famosa "não se reprima". além de grande fã, marcia é uma amiga bastante próxima do ricky. como ela mesma adora contar, os dois tiveram um longo e profundo diálogo há algumas décadas, quando o menudo veio ao brasil e ela (obviamente) foi assistir. na saída do show, de frente para o grande ônibus que levava o grupo de jovens garotos artistas, marcia enxergou ricky. gritou loucamente para que ele abrisse a janela do ônibus, mas ele a encarou e, num rápido e triste gesto, indicou que o vidro estava trancado. foi esse o diálogo.
para encerrar os parágrafos sobre música, é importante destacar que, em 2011, marcia reencontrou seu ídolo, na última vez que ele veio ao brasil. dessa vez, não houve diálogo, mas pode-se dizer que ela brigou com muita gente para poder permanecer na grade da pista 2 do início ao fim da apresentação. anos mais tarde, resolveu que faria o mesmo para assistir ao show do zé neto e cristiano. ficou sete horas de pé, vendo shows que nem queria para poder ficar perto dos artistas principais quando a hora chegasse (o drama de qualquer pessoa que decide ver seus cantores favoritos em festivais). ao fim do show, atestou que não pretende mais se aventurar dessa forma. "foi muito cansativo, mariany, não aguento mais não." fingi que acreditei.
seu amor pelas multidões mostra como ela gosta de gente. ir à praia para torrar deitada na canga não é com ela. do que gosta mesmo é caminhar na beira d'água e encontrar alguém conhecido, não importa se é amiga próxima ou vizinho com quem se trocou duas palavras na vida foi muito. o que importa é encontrar humanos para conversar. quando não encontra, fica triste. "você acredita que eu andei até o canal seis e não encontrei ninguém?", indigna-se, voltando a sentar na cadeira de praia, antes de pedir uma caipirinha de abacaxi bem gelada. 
sua paixão por conversas existe há tempos. na época da escola, estudar não era bem o seu foco, podemos assim dizer. ser arrastada pela orelha do colégio até em casa pela minha vó, depois da reunião de pais e mestres, era uma vivência bastante recorrente. marcia, inclusive, afirma que gostou tanto da sexta série que quis fazer de novo. no ano seguinte, não aguentou a vontade de refazer, também, a sétima.
como legítimo membro da turma do fundão, minha mãe guarda inúmeros causos envolvendo passar cola e matar aula na padaria da esquina, onde dividia milimetricamente uma garrafa de coca-cola (usando régua) entre os colegas. lembra-se da prova de literatura para a qual não havia estudado.  passou longos minutos pedindo as respostas para a minha  anos mais tarde madrinha, que havia terminado o teste e lhe aguardava do lado de fora da sala, de frente para a porta.  "a 4???" perguntou marcia, apenas mexendo a boca, sem fazer sair som. minha madrinha, com seus grandes esforços mímicos, tentou responder, mas marcia não entendeu. "galinha???". a resposta era augusto dos anjos.
no ensino médio, foi com a turma à praia do goes, no guarujá, em uma saída de campo da aula de biologia. passou a manhã inteira tirando foto com suas três inseparáveis amigas (minha madrinha inclusa), em vez de prestar atenção no conteúdo que era apresentado aos alunos e que, posteriormente, seria cobrado em um exame. semanas depois, quando recebeu a prova que não soubera responder, reparou no recado do prof, embaixo da nota vermelha: "ficaram boas as fotos?" 
apesar desses pequenos relatos que colhi ao longo da vida e que neste texto lhes apresento, peço que não criem uma imagem incorreta de marcia. pode ser que na época escolar ela não se interessasse tanto pelas apostilas de matemática, nem pelas longas aulas monótonas de literatura, mas atualmente é uma grande interessada por assuntos que envolvem os estudos. anos atrás, quando se inscreveu no vestibulinho para o curso técnico de enfermagem, teve que me aguentar andando atrás dela, toda manhã, tagarelando sobre história, biologia, física. numa dessas ótimas interações (marcia odeia acordar cedo), que ocorriam antes de ela ir para o trabalho, falei rapidamente sobre o processo de colonização do brasil pelos portugueses. "então não foi descobrimento...", murmurou ela, antes de sair de casa. menos de uma hora depois, ela me liga do trabalho, indignada. "mariany, eu tava aqui pensando... esses portugueses foram uns safados (...)"
por inúmeros motivos, teve que parar o curso de enfermagem (sim, ela passou no vestibulinho). ano passado, prestou enem pela primeira vez. ficou apavorada quando o instrutor afirmou que era necessário tirar a bateria dos celulares. naquele instante, marcia descobriu os horrores que é receber uma informação como essa quando se tem um iphone (chique). escreveu o nome onde era para assinar a frase do seu caderno de prova, dai apagou e escreveu a frase. quando o instrutor passou por ela, confuso com o mini garrancho exposto na folha, disse que, na verdade, era para ter escrito o nome mesmo.
[à parte todo o stress, mandou bem na redação e tirou notas mais altas do que imaginava nas demais áreas do conhecimento (de história acertou várias!). para o curso que queria, não conseguiu vaga, mas enem tem todo ano. na próxima ela consegue.]
anos atrás, descobriu no espiritismo várias respostas para as dúvidas que guardava dentro de si. leu um monte de romance espírita, os quais catalogava em um pequeno caderno, para não pegar repetido na biblioteca do centro. sua adesão à nova doutrina fez com que ela aprendesse a respirar fundo em momentos difíceis e a preferir ser feliz do que provar ter razão. até que veio 2018 e bolsonaro foi eleito. agora, quando perde a paciência com gente que defende esse energúmeno (ela estudou história, lembram?), não pensa duas vezes: VOCÊ QUE VÁ PARA A CASA DO CARALHO. 
pulemos da política para gostos culinários. marcia diz que, quando grávida de mim, vivia com vontade de comer torta de banana. e se eu não nasci com cara de banana foi tudo graças a suas idas diárias à panificadora da esquina. além disso, descobriu seu amor por sushi poucos meses antes de eu ter me tornado vegetariana pela segunda vez, o que lhe decepcionou um pouco. "ué, como vai ser agora quando você vier e eu quiser ir no rodízio de novo?"

_agora, coisas soltas que são interessantes apontar_
marcia gosta de: temperinhos prontos da feira que na minha opinião, bizarramente  tem nomes de pessoas famosas como 'edu guedes' e 'ana maria braga'; dias frios; entrar no shopping só pra aproveitar o ar condicionado; ir à renner provar 10 peças e não comprar nenhuma; programas da tv com histórias emocionantes de superação.
marcia não gosta de: passar roupa; kiwi; radiohead (mariany, é sério que você vai no show dessa banda triste???); gente que se acha superior porque é rico ou pós-graduado (uma vez, no laboratório veterinário onde trabalhava como recepcionista, um advogado bravo com o atendimento jogou seu cartão na cara dela, dizendo "você sabe com quem tá falando? sou maurício fernandes, advogado". ela fez o mesmo com o cartão do laboratório: "e você, sabe com quem tá falando? marcia alves bittencourt, recepcionista do live, laboratório veterinário); cerveja amarga; burocracia; ver gente passeando na rua como se não estivéssemos no meio de uma pandemia; ficar em casa por causa da pandemia.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

lista de pequenas saudades do centro da cidade

olhar de relance para o senhor que passa o dia todo ralando legumes - dos mais variados, para demonstrar a qualidade do ralador que tem em mãos -, em uma pequena bancada perto do mercado público, de frente pro casal que vende cachorro-quente;

desviar de pessoas com pranchetas que caminham em minha direção prestes a perguntar se estou contente com meu sorriso e pegar meu CPF (elas trabalham para consultórios odontológicos); 

sorrir sem graça pro moço que vende CD de rap e vê-lo sorrir sem graça de volta pra mim, como se dissesse "ah, você é a moça que nunca tem dinheiro";

ouvir o moço engraçado que canta rick e renner a partir das 16h de frente pro terminal e faz velhinhas dançarem em volta;

sair do trabalho e escolher entre tomar café 1) no lugar mais perto, 2) na cafeteria que tem a moça bonita do caixa, 3) no meu café preferido, que fica mais longe ou 4) em algum novo, o primeiro que aparecer na frente;

entrar no hiperbom depois do trabalho pra comprar abacate e doritos, pra fazer guacamole quando chegar em casa;

voltar pro terminal pela rua da livraria e, opa, entrar lá assim, meio sem querer;

desviar dos pombos que simplesmente não sabem voar com a devida coordenação;

passar na frente de uma loja chamada damyller (porque ela tá sempre cheirosa);

(...)

sexta-feira, 6 de março de 2020

favoritos #1

dizem que quando a gente vira adulto, a gente perde a capacidade de enxergar simplicidade nas coisas. parece que tudo, de repente, precisa de cinquenta camadas de complicação. a gente começa a hesitar, a pensar demais e ter atitudes que nos paralisam. 

às vezes fico esperando estar super inspirada pra trazer aqui pra vocês uma reflexão incrível, mas a vida tem dessas: nem sempre a gente tá tão assim, inspirado a ponto de por pra fora em palavras nossas grandes ideias. 

tem dia que só dá vontade de compartilhar uns filmes, uns livros, uns vídeos legais. é isso que vou fazer a partir de hoje, nessa categoria de favoritos. eu tinha uma aqui chamada 'um de cada', mas acho que me limitava na medida em que só abria espaço para um item de cada categoria. agora, tá liberado indicar quantas coisas eu quiser. 

obs: apreciem com moderação. 
leiam só se quiserem.
assistam só se quiserem.
 não se afobem: vão devagar.
informação demais deixa a gente exausto.


álbum maravilhoso do the killers que eu ouvia quando era adolescente
tava ouvindo spotify enquanto organizava algumas paradas no trabalho e, por acaso, encontrei esse álbum do the killers. eu ouvia algumas dessas músicas quando tinha, sei lá, catorze anos. deu uma nostalgia muito boa. sou apaixonada pela voz do brandon flowers e ele - inteiro, com voz e tudo mais - é um dos meus grandes crushs da vida. fica aí a lista das músicas na ordem, pra quem não tem spotify (dá pra clicar em cada uma). pra quem tiver, é só clicar aqui.



um filme chamado lost in translation que é bem famosinho mas só vi na semana retrasada

tava há tempos pra ver esse filme porque gosto da scarlett johansson e do bill murray, e fiquei curiosa para ver a interação deles dois como protagonistas. me envolvi bastante com as personagens e achei tudo lindo demais. é um filme que fala sobre solidão e de como ela pode existir mesmo quando compartilhada.

eu não sabia absolutamente nada sobre ele antes de assistir (somente que foi dirigido pela sofia coppola), mas caso você queira ver o trailer, clica aqui.


um livro chamado controle, da natalia borges polesso
resolvi comprar esse livro quando entrei na livraria em busca de outro da mesma autora, o amora (que é um conjunto de contos com protagonistas lésbicas). porém, na ausência deste, acabei levando controle e não me arrependi.

nessas páginas, a gente acompanha um pedaço da vida da nanda, que descobre ter epilepsia ainda na infância. com o passar dos capítulos, vemos como suas relações foram se transformando, especialmente a que tem com a melhor amiga, joana, por quem é apaixonada.

a leitura fluiu bem demais, especialmente no final. adorei a escrita da natalia e a forma como ela conduziu o romance.


& otras cositas más_
. gostei muito da segunda temporada de sex education. sem palavras para o abracinho que essa série significa nos meus dias.
. vi outro filme maravilhoso, um dos mais bonitos que assisti ultimamente, chamado retrato de uma jovem em chamas. procurem saber sobre ele, caso estejam afim de assistir algo impecável de tão lindo.
. passei o mês de fevereiro inteiro lendo mulherzinhas, da louisa may alcott, e em breve termino. tô animada pra ver o filme, porque amo a diretora dele, a greta gerwig. 
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