esta é uma carta de aniversário para marcia, também conhecida como aquela que, aos 23 anos, me deu à luz. porém, não quero falar sobre maternidade, nem sobre como ela é uma filha incrível ou qualquer outro papel que ela desempenhe nessa existência. hoje, o que importa é ela.fazer jornalismo me ensinou o poder das palavras. quando descobri que poderia juntá-las de forma que fizessem sentido para quem as lesse, percebi que poderia fazer delas algo grandioso (inclusive presentes de aniversário). pois bem, embrulho os parágrafos a seguir em um papel bem bonito e envio, virtualmente, para santos, onde marcia comemora hoje seus 49 anos.
vamos voltar para 2004, quando ela conseguiu ingressos de última hora para me levar ao show do sandy & júnior. foi meu primeiro show, bem como o primeiro que vi da pista, no meio da galera. durante o "vamo pular", uma pessoa ao meu lado desmaiou. eu, aos dez anos de idade, arregalei os olhos diante da cena. os amigos dessa pessoa a carregavam do jeito que dava, abrindo caminho na multidão tal qual moisés fez com o mar. permaneci com os olhos bem abertos, assustada, sem saber se continuava pulando ou se observava a cena como se fosse um bonequinho do the sims quando tem objeto novo na casa. marcia, no meio da empolgação — até hoje acredito que me levar àquele show foi apenas uma desculpa para que ela mesma se divertisse — olhou bem nos meus olhos e afirmou, com uma certeza poucas vezes vista na história da humanidade: "é normal, ignora. continua dançando!"
deve ter dado pra perceber que marcia não é o tipo de pessoa que curte ver shows sentadinha em cadeira comendo petiscos, muito menos em área vip. ela gosta mesmo é de muvuca. não importa se é rock ou pagode: pra ver o artista tem que ser bem de perto. "que graça tem? se for pra ver de longe eu ligo na multishow". em sua lista de shows, destacam-se zeca pagodinho, sorriso maroto, edson (do edson e hudson, show que ela viu na pista premium em bertioga, mas essa é uma longa história), nx zero (ao qual iria sozinha, não fosse a sobrinha, vinte e poucos anos mais nova, que decidiu acompanhá-la). até show do elton john ela foi, acreditam? ano passado, a tv local de santos anunciou que ele faria um show gratuito na praia, de frente para um hotel famoso. foi o que ela entendeu enquanto preparava o almoço. lá foi marcia, toda animada, ficar perto do palco. a animação durou praticamente o show inteiro. "não acredito nisso! é o elton john!". foi aí que, perto do encerramento, o artista levantou a mãozinha pra cima e entoou, a plenos pulmões, sua mensagem final "vamo lá galera, na palma da mão!". em português mesmo.
falar em música quando se fala da marcia torna-se um dado incompleto se não houver menção ao ricky martin. é ele seu maior ídolo, desde a adolescência, quando o artista participava do grupo menudo. a grande sensação da época era decorar todas as coreografias, muito além da famosa "não se reprima". além de grande fã, marcia é uma amiga bastante próxima do ricky. como ela mesma adora contar, os dois tiveram um longo e profundo diálogo há algumas décadas, quando o menudo veio ao brasil e ela (obviamente) foi assistir. na saída do show, de frente para o grande ônibus que levava o grupo de jovens garotos artistas, marcia enxergou ricky. gritou loucamente para que ele abrisse a janela do ônibus, mas ele a encarou e, num rápido e triste gesto, indicou que o vidro estava trancado. foi esse o diálogo.
para encerrar os parágrafos sobre música, é importante destacar que, em 2011, marcia reencontrou seu ídolo, na última vez que ele veio ao brasil. dessa vez, não houve diálogo, mas pode-se dizer que ela brigou com muita gente para poder permanecer na grade da pista 2 do início ao fim da apresentação. anos mais tarde, resolveu que faria o mesmo para assistir ao show do zé neto e cristiano. ficou sete horas de pé, vendo shows que nem queria para poder ficar perto dos artistas principais quando a hora chegasse (o drama de qualquer pessoa que decide ver seus cantores favoritos em festivais). ao fim do show, atestou que não pretende mais se aventurar dessa forma. "foi muito cansativo, mariany, não aguento mais não." fingi que acreditei.
seu amor pelas multidões mostra como ela gosta de gente. ir à praia para torrar deitada na canga não é com ela. do que gosta mesmo é caminhar na beira d'água e encontrar alguém conhecido, não importa se é amiga próxima ou vizinho com quem se trocou duas palavras na vida foi muito. o que importa é encontrar humanos para conversar. quando não encontra, fica triste. "você acredita que eu andei até o canal seis e não encontrei ninguém?", indigna-se, voltando a sentar na cadeira de praia, antes de pedir uma caipirinha de abacaxi bem gelada.
sua paixão por conversas existe há tempos. na época da escola, estudar não era bem o seu foco, podemos assim dizer. ser arrastada pela orelha do colégio até em casa pela minha vó, depois da reunião de pais e mestres, era uma vivência bastante recorrente. marcia, inclusive, afirma que gostou tanto da sexta série que quis fazer de novo. no ano seguinte, não aguentou a vontade de refazer, também, a sétima.
como legítimo membro da turma do fundão, minha mãe guarda inúmeros causos envolvendo passar cola e matar aula na padaria da esquina, onde dividia milimetricamente uma garrafa de coca-cola (usando régua) entre os colegas. lembra-se da prova de literatura para a qual não havia estudado. passou longos minutos pedindo as respostas para a minha — anos mais tarde — madrinha, que havia terminado o teste e lhe aguardava do lado de fora da sala, de frente para a porta. "a 4???" perguntou marcia, apenas mexendo a boca, sem fazer sair som. minha madrinha, com seus grandes esforços mímicos, tentou responder, mas marcia não entendeu. "galinha???". a resposta era augusto dos anjos.
no ensino médio, foi com a turma à praia do goes, no guarujá, em uma saída de campo da aula de biologia. passou a manhã inteira tirando foto com suas três inseparáveis amigas (minha madrinha inclusa), em vez de prestar atenção no conteúdo que era apresentado aos alunos e que, posteriormente, seria cobrado em um exame. semanas depois, quando recebeu a prova que não soubera responder, reparou no recado do prof, embaixo da nota vermelha: "ficaram boas as fotos?"
apesar desses pequenos relatos que colhi ao longo da vida e que neste texto lhes apresento, peço que não criem uma imagem incorreta de marcia. pode ser que na época escolar ela não se interessasse tanto pelas apostilas de matemática, nem pelas longas aulas monótonas de literatura, mas atualmente é uma grande interessada por assuntos que envolvem os estudos. anos atrás, quando se inscreveu no vestibulinho para o curso técnico de enfermagem, teve que me aguentar andando atrás dela, toda manhã, tagarelando sobre história, biologia, física. numa dessas ótimas interações (marcia odeia acordar cedo), que ocorriam antes de ela ir para o trabalho, falei rapidamente sobre o processo de colonização do brasil pelos portugueses. "então não foi descobrimento...", murmurou ela, antes de sair de casa. menos de uma hora depois, ela me liga do trabalho, indignada. "mariany, eu tava aqui pensando... esses portugueses foram uns safados (...)"
por inúmeros motivos, teve que parar o curso de enfermagem (sim, ela passou no vestibulinho). ano passado, prestou enem pela primeira vez. ficou apavorada quando o instrutor afirmou que era necessário tirar a bateria dos celulares. naquele instante, marcia descobriu os horrores que é receber uma informação como essa quando se tem um iphone (chique). escreveu o nome onde era para assinar a frase do seu caderno de prova, dai apagou e escreveu a frase. quando o instrutor passou por ela, confuso com o mini garrancho exposto na folha, disse que, na verdade, era para ter escrito o nome mesmo.
[à parte todo o stress, mandou bem na redação e tirou notas mais altas do que imaginava nas demais áreas do conhecimento (de história acertou várias!). para o curso que queria, não conseguiu vaga, mas enem tem todo ano. na próxima ela consegue.]
anos atrás, descobriu no espiritismo várias respostas para as dúvidas que guardava dentro de si. leu um monte de romance espírita, os quais catalogava em um pequeno caderno, para não pegar repetido na biblioteca do centro. sua adesão à nova doutrina fez com que ela aprendesse a respirar fundo em momentos difíceis e a preferir ser feliz do que provar ter razão. até que veio 2018 e bolsonaro foi eleito. agora, quando perde a paciência com gente que defende esse energúmeno (ela estudou história, lembram?), não pensa duas vezes: VOCÊ QUE VÁ PARA A CASA DO CARALHO.
pulemos da política para gostos culinários. marcia diz que, quando grávida de mim, vivia com vontade de comer torta de banana. e se eu não nasci com cara de banana foi tudo graças a suas idas diárias à panificadora da esquina. além disso, descobriu seu amor por sushi poucos meses antes de eu ter me tornado vegetariana pela segunda vez, o que lhe decepcionou um pouco. "ué, como vai ser agora quando você vier e eu quiser ir no rodízio de novo?"
_agora, coisas soltas que são interessantes apontar_
marcia gosta de: temperinhos prontos da feira que — na minha opinião, bizarramente — tem nomes de pessoas famosas como 'edu guedes' e 'ana maria braga'; dias frios; entrar no shopping só pra aproveitar o ar condicionado; ir à renner provar 10 peças e não comprar nenhuma; programas da tv com histórias emocionantes de superação.
marcia não gosta de: passar roupa; kiwi; radiohead (mariany, é sério que você vai no show dessa banda triste???); gente que se acha superior porque é rico ou pós-graduado (uma vez, no laboratório veterinário onde trabalhava como recepcionista, um advogado bravo com o atendimento jogou seu cartão na cara dela, dizendo "você sabe com quem tá falando? sou maurício fernandes, advogado". ela fez o mesmo com o cartão do laboratório: "e você, sabe com quem tá falando? marcia alves bittencourt, recepcionista do live, laboratório veterinário); cerveja amarga; burocracia; ver gente passeando na rua como se não estivéssemos no meio de uma pandemia; ficar em casa por causa da pandemia.
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