parece que a minha vida pausou.
foi o eu disse na análise semanas atrás. quando tudo isso começou, eu até cogitei suspender as sessões. parecia que não havia nada novo a ser dito. aquela sensação, agora distante, de ter sempre uma novidade para contar pra psicóloga de repente não existia mais. a cada atendimento, feito à distância, crescia em mim uma ansiedade estranha, como se eu devesse àquela ouvinte assuntos intermináveis, dúvidas colossais, tristes histórias de amores não correspondidos, medos que me assombravam nas inúmeras decisões que acreditei precisar tomar. toda terça-feira, às quatro, passei a ser soterrada pela brutal necessidade de preencher silêncios.
foi quando eu anunciei à psicóloga que faria da falta de assunto um assunto.
ela gostou da aposta e, então, me perguntou o que eu tinha feito naquela semana.
eu respondi que tinha voltado a escrever no meu blog.
ela pausou e indagou: me conta essa história de blog.
eu ainda não falei do meu blog?
não.
que estranho. já faz quase cinco meses que a gente conversa.
pois é.
e então eu falei que foi aos quinze que criei meu primeiro blog e que bem antes disso eu já publicava pequenas crônicas no recanto das letras, site do qual meu professor de português da sétima série me incentivou a participar. conversamos sobre minhas referências literárias e sobre como eu amava falar sobre livros, estudar teorias voltadas ao tema, escrever sobre. no final da conversa, ela comparou minha vontade de falar sobre a falta do que falar com as escrevivências de conceição evaristo e eu terminei aquela sessão me sentindo flutuar pelo pequeno apartamento onde moro. lembro que passei um café e fiquei olhando a janela que dá pra rua sem saída do meu prédio. algo em mim floresceu naquele instante. até então, eu havia achado que o desassossego que me constituía antes da quarentena era tudo o que podia ser chamado de manie. que inocência a minha. naquela conversa, percebi que o que eu sou sempre esteve bem mais no fundo, quase escondido por tanta informação, por tantas perguntas. por tanta preocupação.
ao me deparar comigo mesma eu reencontrei o movimento da vida. sim. neste momento, estou viva. minha existência vai além da paralisação do comércio, do trabalho como eu o conhecia, dos planos de apresentar tcc e me formar e fazer festa pra reunir a família e os amigos e pegar diploma e me mudar e tantas outras coisas. eu existo além disso. meus desejos permanecem em mim na medida que eu também permaneço.
retirar desse período o caráter de transição tem feito com que eu viva meus dias sem esperar por um futuro. o tempo é uma criação nossa. o depois não existe.
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