semana passada, ao descer a pequena escadaria do prédio para pagar o entregador de pizza, reparei que a caixa dos correios estava abarrotada. não a minha, com o número do meu apartamento, mas uma caixa retangular amarela que fica pendurada na grade do portão, onde as correspondências são deixadas antes de serem divididas entre os apartamentos. dei boa noite ao entregador.
— crédito ou débito?
digitei a senha do cartão e, enquanto aguardava, tratei de abrir a caixa amarela para ver se alguma das encomendas era para mim. logo no primeiro pacote de papel pardo, o meu nome. fiquei animada.
(eu fico feliz quando chega coisa pra mim pelo correio, especialmente em tempos de isolamento. um pedaço do lá fora que vem direto para minha casa, embalado com o meu nome. é uma sensação boa.)
— segunda via, moça?
enquanto negava, reparei que o pacote debaixo também estava endereçado a mim. olhei o último, lá no fundo, e hesitei. será? verifiquei, meio atrapalhada, apoiando o peso na grade do portão. meu nome novamente.
o motoboy deu uma risadinha que só vi que era risada pelo olhar, porque ele tava de máscara. deve ter achado estranha aquela cena. eu, de chinelo e meia, o cabelo revirado, equilibrando três pacotes de livros e uma caixa de pizza. por um momento, enquanto subia de volta os degraus, quase me virei para explicar: "é que eu não saio de casa há três semanas."
mas achei que soaria desrespeitoso. sei lá, eu fico meio desconfortável atendendo o entregador com cara de quem tá podendo ter o direito básico de estar em casa em uma pandemia. ao mesmo tempo, sei que não deveria. não é justo que a responsabilidade de um sistema que lucra com a exploração desenfreada seja jogada sobre mim, mera proletária de vinte e poucos anos. e com essa reflexão sociológica, que durou cerca de cinco segundos, fechei a porta da escadaria. a quarentena tem dessas.
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