quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

crescer na vida, segundo o dicionário do meu avô

dia desses, meu vô disse que tava muito feliz por ver eu e meu irmão crescer na vida. aquilo me tocou o coração por um monte de motivos, mas a principal foi perceber o que significava, naquela frase singela dita por ele, crescer

meu vô estudou até a quarta-série e se aposentou como soldador de navios da companhia docas de santos. passou um pedação da sua existência lidando com peças gigantes de ferro, em fardas pesadas. antes disso trabalhou em feira, foi cobrador de ônibus. uma vez, foi contratado pra consertar ônibus da prefeitura de santos. numa tarde em que tomei café com ele na mesa da sala, ele me contou como o maneco paciência ficou impaciente quando o viu fazer sozinho 14 suportes de mola para consertar os ônibus que estavam há meses parados na garagem da SMTC (serviço municipal de transportes coletivos), em 1964. "eles não queriam trabalhar", meu vô explica. "e eu ia ficar lá sem fazer nada, coçando? que nada. consertei tudo. ficaram puto."

a relação que tenho com o trabalho tem muito a ver com a que aprendi com minha família. tem muita coisa ruim nisso, ô se tem. mas eu passaria horas fazendo desse texto uma sessão de terapia e eu acabei de sair de uma, então vamos pular pra parte que meu vô fica feliz em me ver crescer na vida, mesmo sabendo que tô trabalhando em um freela que não consegue pagar todas as minhas contas. 

no ano que passei no vestibular, meu vô nem sabia o que era uma universidade federal. quando falei, em 2015, que tava saindo de casa pra estudar jornalismo em florianópolis, ele não entendia o motivo. "não dá pra pagar uma faculdade aqui em santos?", perguntava. "a gente parcela, dá um jeito". eu fui embora antes de ele entender o que aquela mudança significava, porque não deu tempo de explicar. hoje, ele sabe o porquê. tanto que quando encontra os amigos na lotérica ou na feira, a primeira coisa que fala ao se referir a mim é que a neta se formou Na Federal. 

talvez seja isso que ele chama de crescer na vida. não é sobre ter o emprego ao lado do william bonner, até porque exatamente todo freela que eu consigo meu vô faz parecer O Maior Emprego de Todos os Tempos. "ela trabalha via internet, numa tv dela" foi como ele chamou meu antigo emprego como produtora de vídeos de um canal de educação no youtube. 

quando falo que tô esperando poder me formar pessoalmente pra pegar meu diploma vestida de beca, tem gente que não entende. "forma logo pelo meet", alguns dizem. e eu dou risada porque estou fazendo um ótimo uso daquele discurso que viviam me repetindo, o tal do "mas jornalista não precisa de diploma". tô trabalhando mesmo sem ele e é aí que queria chegar com essa reflexão. tanto eu como meu avô sabemos muito bem que crescer na vida não é ganhar milhões de reais, nem ter o último carro dos comerciais. pra gente, existe uma simbologia imensa em estar em certos locais. quando ele fala em crescer na vida, é sobre ter chegado em um lugar onde nenhum antes da gente chegou. e isso é muito. 

cada dia que passa, tenho uma única certeza: a de que pegarei meu diploma em breve, tal qual pam ergueu o dundies, um pouco menos bêbada (talvez). 

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

uma série bonita de apenas três episódios

gosto de séries que me causam coisas difíceis de transformar em palavra. é como se algo atravessasse a tela e chegasse fundo na mente, me fazendo lembrar de coisas, sentir coisas, projetar coisas. nem sempre essa sensação é causada por uma frase bem construída ou pelo destino de uma personagem. às vezes, o que causa essa identificação são hesitações, detalhes, não-ditos, olhares. foi o que aconteceu quando assisti the pursuit of love (como não sou boa em escrever sinopses, deixo aqui uma curtinha pra vocês saberem mais ou menos do que se trata).

de longe, o que mais gostei na série foi a linda, interpretada pela lily james. olho para ela e chego a apreender o seu desejo por amor, por liberdade e por viver ao máximo sua existência como se fosse eu a pessoa que sente. personagens com as quais costumo me identificar têm um pouco do que sou e do que eu gostaria de ser e talvez seja por isso que gostei tanto dela. linda representa o que lutei para ser e, com alívio, posso afirmar que sou. ela é minha personagem favorita da série — junto ao maravilhoso lord merlin. crush imenso tanto em ambos, pelo amor de deus. coloco os dois em minha frente e chego ao mais profundo significado do tanto faz


resolvi, porém, focar em outra personagem: a fanny.

vejo nela, a narradora e melhor amiga de linda, quem eu era em um passado muito próximo — e às vezes no presente, quando não estou tão consciente de mim —, o que me deixou bastante perturbada. 

dentro de fanny há uma vontade imensa de viver outra vida, mas parece que ela não sabe que isso é possível. percebo essa característica porque vivi isso inúmeras vezes e a cada fase da vida me percebo novamente vivendo. é difícil demais sair de uma situação à qual você não se vê presa, apenas sente. quanto mais eu cresço, mais eu entendo a urgência de tirar do fundo de quem sou minhas reais vontades diante da vida. parece que tá tudo muito cheio de poeira, sabe? daí vou lá, varro tudo até enxergar o que realmente quero, o que realmente sou. e quando enxergo, me pergunto como era possível viver sem enxergar. depois de uma angústia estranha, bebo um gole d'água e concluo que trabalho com as ferramentas que estão ao meu alcance. nem sempre a vassoura e a pá estão visíveis.


assim como fanny, tendo a rejeitar o que quero antes de me dar conta que preciso daquilo. olho torto, dobro a sobrancelha, reviro os olhos. daí percebo que, no fundo, rejeito o que desejo. o mais bizarro é que nem sempre há empecilhos concretos, coisas que objetivamente me impedem de viver o desejado. se assim fosse, seria mais fácil resolver. porém, dentro de mim habitam um monte de subjetividades complexas, vontades que nem sabem que são vontades. o tempo é que me faz percebê-las e, mais que isso, conquistá-las. vivê-las.

a forma de linda viver a vida nitidamente encanta fanny, ao mesmo tempo em que a perturba. é como se linda a fizesse lembrar que há algo além do que se mostra como possível para uma mulher como elas nos anos trinta. não sinto que fanny desconhece essa vontade, nem mesmo que ela seja incapaz de estabelecer uma conexão nítida entre as conquistas da melhor amiga e seus próprios desejos. todavia, são muitas subjetividades complexas, como eu disse ali em cima. é difícil simplesmente se dar conta, falar "ata" e resolver, simples como apertar um botão.

tem muito da mãe de fanny em linda, uma mãe que não quis vê-la crescer porque preferiu viver os próprios sonhos, tal como a própria linda fez depois ao ter uma filha. imagino que essa associação seja bastante óbvia na construção das personagens, mas há outras camadas além dessa a serem sentidas, descobertas, percebidas. talvez, seja algo sobre o qual eu não consiga escrever, porque ainda tá muito nebuloso aqui dentro. só sei que olho para a fanny e me dá uma vontade louca de chacoalhá-la e berrar que ela merece viver a vida que, no fundo, deseja; que não é só por parecer estar "no fundo" que não pode ganhar a superfície; que ela pode, que ela deve; que não há motivos para esperar algo grandioso acontecer e direcionar seus passos; que ela pode, enfim, ser livre.

fico feliz por hoje conseguir, depois de muita terapia, ser mais linda que fanny. gosto de gostar, amo amar e é para isso que acordo todo santo dia: para amar um pouco do que há de bonito no mundo, para amar o acolhimento que eu me dou quando a parte ruim que há nesse mesmo mundo me assombra, para amar minhas plantas quando as rego, para amar meus livros quando os grifo, para amar as pessoas que me cercam e para amar, sobretudo, a mim mesma.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

não sei estar sozinha

sempre quis morar sozinha. era um sonho desde criança. uma vez, aos seis anos, botei na minha mochila do mickey um par de calcinhas, meu brinquedo favorito e um pacote de bolacha. na sala, avisei aos meus pais que estava de mudança. eles entraram na onda, fingiram não ligar. voltei ao quarto, abracei o armário e dei tchau para minha cama. chorei um monte. daí abri a porta do apartamento e desci os dois lances de escada do prédio. quando cheguei embaixo, voltei correndo.

é que eu não sei estar sozinha. eu quero, eu preciso, eu imploro, mas quando vivo a solidão de fato, me dá um negócio aqui dentro. é como estar pelada no meio da avenida paulista. acho que no fundo eu gosto de estar só, desde que eu saiba que posso não estar mais sozinha assim que eu quiser. 

dia desses, caminhei até uma exposição perto de casa. chegando lá, reparei que não abria justamente naquele dia. parei, olhei o celular. pensei em quem eu poderia chamar para estar comigo e nenhum rosto familiar era opção. tava todo mundo longe, em outra cidade. hesitei, pensei em chamar alguém que eu ainda não conhecesse pessoalmente, dessas pessoas legais para quem durante a pandemia eu vivia falando 'nossa, sim, vamos muito tomar um café quando tudo isso passar', mas me deu um de-ses-pe-ro. continuei sozinha mesmo. 

semana passada, um dos meus melhores amigos foi me visitar. senti, por alguns dias, aquela velha sensação de estar perto de alguém conhecido a quem o silêncio não significa uma sensação desagradável. no dia que ele ia embora, para a cidade onde sua família - e a minha - mora, fiz minhas malas e falei que ia junto. varri a casa, tirei tudo da tomada, peguei o metrô, entrei no ônibus e cá estou. sim, vim para casa dos meus pais porque eu não ia suportar a ideia de estar sozinha de novo.

eu sinto falta de abraço. de chamar alguém pra tomar café na minha casa. de chamar alguém pra beber uma cerveja que vira duas que vira três, quatro, que vira outro rolê. mas eu tô paralisada. me sinto incapaz de pensar em assuntos legais, morro de medo de me deparar com uma versão entediante de mim mesma. e tem aquela necessidade de ter certeza de tudo. saber o que a pessoa vai responder e já ter outra frase na ponta da língua para emendar o assunto, evitar silêncios, saber exatamente o que faz o outro rir. 

a saída mais óbvia para essa sensação de enclausuramento, resultado de meses de isolamento social, é abrir mão do controle. é hora de permitir que pessoas desconhecidas decidam se vão ou não gostar de mim, se vão ou não me achar legal, se vão ou não me chamar pra sair outra vez. é difícil porque parece que tá todo mundo tão bem resolvido, todo mundo tão sociável, todo mundo tão-sabendo-exatamente-o-que-falar. talvez eu precise justamente perceber que no fundo ninguém tá bem. tá todo mundo mal (joutjout já havia dito isso, anos atrás). que bom seria se a gente falasse sobre isso. deve ser por esse motivo que resolvi escrever este texto agora. porque sei que quem tá me lendo talvez já tenha também um dia feito as malas, aos seis anos de idade, e tentado fugir rumo a uma solidão que ninguém ensinou a viver. 

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

a maior descoberta do dia 13 de agosto de mauro alves

acho curioso como meu vô me considera um dicionário (confiável). qualquer dúvida que ele tem sobre letras, acentuação e significados de palavras, é a mim que ele recorre.

agora há pouco, tava eu aqui na sala, trabalhando em frente ao computador. 

ele sai da cozinha, pensativo. 

— como fala? likidif... licuidif...

— liquidificador, vô.

— ahhh... liqUidificador — suspirou, como se tivesse feito a maior descoberta do dia. — pois é, mariany. as pessoas esquecem do U, vão direto pro I, vê só.

e saiu arrastando os chinelos de volta para o quarto.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

quando eu tô triste, eu me imagino em um show da francisco, el hombre pós-apocalipse

contei na terapia que envelheci uns oito anos nessa quarentena. é como se eu tivesse enfrentado o mais fundo de mim e, sem ter como fugir, lidado com ele. o resultado disso foi uma tremenda apatia diante do que me belisca. ao mesmo tempo, uma potência absurda de vida explode aqui dentro gritando para ser vivida. 

após sessenta e sei lá quantas semanas de isolamento, eu me sinto forte como nunca. conviver sozinha nesses últimos meses, especificamente, me modificou de um jeito que eu não previ. porém, se eu pudesse escolher, não teria vivido nada do jeito que foi. doeu demais. acho bonito esse papo de reencontro com a essência, de descobrir hobbies, de sei lá mais o quê, mas para mim foi horrível. eu fiz um esforço do caralho para ver beleza nos meus dias e continuo fazendo toda vez que gravo um story da mesma vista da janela pela décima vez na semana com música de fundo e filtro vintage. é quase como correr uma maratona. uma maratona que não acaba. 

num dia, a possibilidade de viver o que me espera me motiva e é por ela que eu sigo. noutro, só dá vontade de chorar. mas eu não posso me entregar. longe dos olhos alheios, sigo tirando força de cada pequena coisa que me põe de pé. boto uma da francisco, el hombre, troco de roupa, penteio o cabelo, passo um café. e enquanto a água ferve, respiro fundo diante da promessa de uma imunização que me demora a chegar. 

quinta-feira, 24 de junho de 2021

pra lembrar que existe vida além disso aqui


eu vi esse vídeo pela primeira vez em abril, quando passeava pelo bairro para onde me mudei no mês anterior. o passeio foi pelo google maps. é que tem dias que a vista da janela, por mais cheia de opções que seja, não basta. 

lembro de partir da porta do meu prédio e arrastar o mouse por tudo quanto era rua aqui de trás. em outra aba do navegador, um site com a história do bixiga, que há muito passaram a chamar de bela vista. gosto mais do primeiro nome porque me lembra adoniran e adoniran me lembra meu vô. falando em adoniran, tem até semáforo com a silhueta dele aqui perto, mas descobri que ele nunca morou aqui. ele morava na rua aurora, lá na república, num desses prédios antigos de esquina que a angela león retratou tão bem no guia fantástico de são paulo, livro que me fez chorar só de ver as ilustrações. de todo modo, foi vendo o site do bairro (eu tô achando tão legal que tem um site do bairro????) que descobri o teatro oficina, um dos primeiros lugares que visitarei quando tudo isso passar. 

me mudei para cá no dia 22 de março de 2021, depois de quase seis anos morando em florianópolis. estava desde dezembro morando na casa dos meus pais, em santos, vendo programa da sônia abrão com meu vô à tarde e tentando explicar pra ele que não, vô, eu não tô jogando, eu tô trabalhando... isso, home office que fala (mencionei meu vô umas 4 vezes e temos apenas três parágrafos. perdão, tô com saudades). o que quero dizer com tudo isso é que nos meses em que morei com eles, bateu uma sensação muito difícil de descrever. eu não me sentia em casa.

isso costuma acontecer quando a gente sai da casa dos pais. é um caminho sem volta, irmão. mesmo que você retorne, mesmo que você passe o resto da vida vivendo com eles depois. não é a mesma coisa. frances ha conseguiu explicar direitinho isso que tô tentando falar.

quando resolvi fazer faculdade em outro estado, em 2015, eu não deixei para trás um quarto intocado, com pôsteres da minha adolescência e edredom com meu cheiro. meu irmão logo tratou de pegar o quarto só pra ele e minha cama foi desmontada. meses depois, minha família se mudou para casa dos meus avós, na mesma cidade, e eu não voltei mais para o lugar que por treze anos chamei de lar. acompanhei a mudança toda pelo whatsapp.

demorei muito para chamar floripa de casa. até que um dia consegui e assim foi por anos. depois, deixou de ser. em fevereiro, quando meu pai dirigiu quase 700 quilômetros até lá pra me ajudar a trazer minhas coisas (um patrimônio constituído de livros, algumas roupas e panelas), a pandemia anestesiou o que era pra ser uma despedida. não dei tchau pra ninguém. quando entrei em casa, depois de dois meses longe, na ânsia por sentir o conhecido aconchego, nada senti. é como se eu não pertencesse mais àquele lugar. 

eu morava num bairro chamado pantanal, um desses que fica perto da universidade. para chegar lá, tem que sair do centro e atravessar um túnel sentido sul da ilha. fiquei de março de 2020 a dezembro sem atravessá-lo. passei por ele quando fui para santos e depois quando retornei para fazer a mudança. eu adorava o percurso. na ida, via o mar, a ponte hercílio luz, os prédios. na volta, um monte de mato e a sensação de que minha casa tava quase lá, a dois ou três pontos de distância. não importava o caminho, sempre me agradava a vista.

meu trabalho ficava no centro e eu conhecia aquele bairro quase todo, de tanto que desbravava cafeteria depois do expediente. todos os dias eu pegava o UFSC-Semidireto-185, botava alguma da fresno no fone e descia no terminal, de onde caminhava até o prédio atrás da catedral. ia listar algumas saudades, mas lembrei que já fiz isso

quando retornei à cidade para fazer a mudança, voltei ao centro com o meu pai, para comprar alguma coisa importante da qual não me lembro. tive medo de começar a chorar no meio da rua, entre o moço do compro ouro pago bem no ouro e o cantor que todo fim de tarde trazia sucessos do rick e renner. ou quem sabe ao passar pela loja cheirosa de nome de difícil pronúncia (era uma loja que tinha um cheiro bom demais. eu sempre diminuía o passo quando chegava perto dela). mas não fiquei triste. se eu pudesse descrever o que senti, ou tentar descrever, eu diria que me senti agradecida. foi um abraço de despedida, um ciclo encerrado. por trás da máscara, eu sorri. 

ainda passei alguns dias na casa dos meus pais, minhas coisas todas em caixas em cima do armário do meu avô (eita, de novo ele aqui). e então, achei um anúncio de um apartamento cujo aluguel eu poderia pagar e quando isso acontece e você é uma jovem recém-formada sozinha em são paulo, você não pode deixar passar. visitei, assinei papeis, mandei foto segurando o RG com um olhar que dizia moço pelo amor de deus me deixa alugar eu vou pagar. e tô aqui desde então.

aos poucos tenho feito desse espaço minha casa. ainda falta muito para deixar tudo do jeito que eu quero. meu pai, como vocês sabem, adora uma construção. já fez banquinho, móvel pro banheiro, prateleira. comprou até tinta pra gente pintar as portas (verde menta, um arraso). enquanto não me vacino, porém, permaneço vivendo um minimalismo não intencional, passando café depois do almoço e bebendo na janela, uma das formas que encontrei de me sentir em casa. ainda não fiz cartão de ônibus, nem conheci as livrarias e bibliotecas que quero há tanto tempo conhecer. mas sigo sonhando com o dia que vou desbravar essa cidade, que vou entrar na mário de andrade e me agarrar nas pilastras de tanto chorar.

por enquanto, vejo tudo da janela, igual à senhora que passa o dia olhando a paisagem. às vezes, tenho a sensação de que nossos olhares se cruzam, cada uma de um lado da avenida. mas sou míope, então não posso confirmar. 

sexta-feira, 28 de maio de 2021

tag sobre o tempo

achei essa tag no blog da gabi ramalho e quis muito responder. é meio que uma forma de registrar o movimento da vida através do tempo.

dez anos atrás
ficava feliz porque my chemical romance havia lançado um álbum mas ao mesmo tempo bolada porque era ruim demais e eu não queria assumir

ia parar na diretoria porque uma funcionária da escola viu eu e meu namorado da época se pegando num cantinho qualquer como de costume

me formava no ensino médio sem a menor ideia do que fazer com a vida e morrendo de medo de me tornar uma adulta frustrada que vive para o fim de semana


cinco anos atrás
chorava numa festa junina da faculdade bebendo um vinho péssimo que paguei 11 reais e bebi sozinha (tinha gosto de tang de uva)

começava o meu primeiro estágio em jornalismo e virava amiga da minha chefe, que me dava carona e uma vez me levou pra comer sushi pra fugir do trânsito (que saudades ♥)

ia fotografar manifestações fora temer e tomar gás de pimenta na cara e pensava nossa como é ótimo ser jornalista nesse país 


dois anos atrás
pagava as parcelas dos dois shows do muse que iria em outubro

ia pro rio de janeiro com a equipe do trabalho para um evento de webseries 

me levava pra conhecer cafeteria sozinha depois do expediente toda semana


um ano atrás
chorava olhando a janela do quarto todos os dias achando que nunca mais ia ver as pessoas que eu amo

me tornava vegana e ficava ansiosa pensando no dia que a pandemia acabaria e eu jantaria na casa da mãe de algum amigo que me ofereceria comida não-vegana e eu sofreria porque não ia saber dizer não com medo de deixá-la triste ou ofendida

escrevia um livro-reportagem a.k.a. TCC


neste ano
eu e o vini terminávamos para o desespero dos amigos que projetavam todas as narrativas de amor eterno sobre a gente (perdão, rapaziada)

me mudava da cidade onde morei por quase seis anos sem dar tchau para ninguém

alugava um apartamento em são paulo e aprendia a contemplar o minimalismo imposto pela falta de grana, os livros todos pelo chão como se fosse conceito quando na verdade é só um negócio chamado pandemia que impede meu pai de vir instalar as prateleiras que ele mesmo fez


um mês atrás
achei que minha mãe fosse morrer de covid

meu medo de sair na rua triplicou e desde então não saio nem pra caminhar


ontem
descobri uma banda perfeita chamada jovem dionisio e maratonei todos seus clipes no youtube

vi uma palestra e me lasquei porque terminei de trabalhar já era noite, mas fiquei feliz porque a conversa foi super inspiradora e interessante

assisti lost in translation pela segunda vez e fiquei sem ar de tanto rir do bill murray


hoje
pedi almoço no ifood porque o vr carregou

descobri que preciso de mais uma pessoa para montar a escrivaninha que chegou há quatro dias, ou seja, não montarei

fiquei um total de cinco minutos refletindo sobre o fato de que esqueci como se beija porque faz muito tempo que não faço isso e tenho medo de parecer ridícula quando fizer novamente


neste fim de semana eu vou
beber vinho

ver algum filme repetido

varrer a casa


conheçam jovem dionisio:

quarta-feira, 26 de maio de 2021

coisas que me preenchem de vida

às vezes eu me sinto tomada de vida. sei que o último texto foi o completo oposto dessa sensação, mas como diz o famoso e atual ditado que significa tudo e nada ao mesmo tempo: é sobre isso.

e como hoje me sinto tomada de vida — o que não significa necessariamente estar bem , resolvi vir aqui compartilhar coisas que alimentam esse sentimento em mim. 


há quem ache los hermanos cafona, e realmente é, mas eu amo coisa cafona. o ponto é que algo nessa apresentação, que eles fizeram no maracanã em 2019 depois de quatro anos longe dos palcos, me dá um aconchego tão bom. dá pra ver que muita gente ali esperou muito tempo pra cantar essa música aos gritos, no meio de tantos outros gritos. algo nisso me preenche de vida. 

"(...) eu tive tudo sem saber quem era eu."


e como sofrer por amor e superar o amor sofrido também é viver, tomem aqui essa coisa perfeita do maglore (com participação do hélio flanders, dono de uma das vozes mais gostosas de ouvir), que até gal costa já cantou:


"e assim como o tempo um motor ao relento
sinto saudades já não me recordo porque (...)"


falando em hélio flanders, deixo aqui uma série de apresentações maravilhosas que ele fez no canal dele, cantando e declamando walt whitman. as letras das músicas também são poesia e se deixar comover por poesia é outra forma de se sentir viva. 



para finalizar, quero deixar coisas que salvei no instagram e que achei ou bonitas, ou engraçadas. afinal, contemplar beleza e rir também é viver.












domingo, 16 de maio de 2021

todo dia, ao acordar, eu rego um jardim sem flores

pareço fora de mim. todo dia eu acordo e faço um esforço danado pra me manter no presente. como fincar os pés no hoje, porém, se o hoje é um tempo em que não quero estar? da janela eu olho a avenida e a garganta aperta. queria viver o lá fora, mas o lá fora só existe no futuro. e o futuro nem existe.

faz meses que pareço viver em uma pequena sala de espera, como se a vida estivesse suspensa. pareço anestesiada. nesse limbo, qualquer decisão parece perigosa. então, presenteio um futuro incerto com decisões que não me sinto habilitada a tomar agora. até mesmo decidir acreditar nas coisas que sinto passou a ser motivo de desconfiança. faz tanto tempo que tô em casa que nem sei se posso confiar em mim. sentir qualquer coisa nesse momento beira entre o falso e o absurdo. duvido do riso, da tristeza, da dor. eu duvido até do amor. 

todos os dias eu fantasio sobre o que eu gostaria de viver quando tudo isso passar, torcendo para que o calor da vida sobreviva em mim, mas a verdade é que tenho medo de não saber mais viver. me apavora nadar, nadar, nadar, insistentemente, tomando doses homeopáticas de paciência, dia após dia, cheia de coisas bonitas aqui dentro e, quando finalmente cruzar a travessia, não me reconhecer mais. fico me perguntando por quantos meses os sentimentos sobrevivem dentro da gente. e temo que eles não aguentem nem vírus, nem presidente genocida, nem mesmo o tempo. 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

texto sem pé nem cabeça de uma jornalista recém formada em crise existencial

o ano virou e sinto como se eu sobrevoasse minha própria vida. tem sido difícil colocar os pés no chão. o futuro tem me assombrado na mesma medida que algo dentro de mim me motiva a caminhar até ele — ainda que eu saiba que o depois não existe, é uma ilusão.

me dei férias no meio de dezembro, depois de apresentar o tcc. e a sensação é que não saí mais delas, embora tenha voltado a trabalhar. talvez o fato de eu estar longe de casa tenha potencializado isso. talvez o fato de não ter mais casa. me sinto em um limbo. um limbo que gostaria que durasse menos do que vem durando.

não tô gostando do que escrevo. odeio usar a palavra 'isso' porque acho que não diz nada. parece que o final da graduação sugou toda a criatividade, toda a capacidade de formar frases gostosas de ler. mas algo em mim grita pedindo que eu escreva. meu diário segue em branco desde que o ano virou, mas lembrei que esse espaço chamado blog também pode servir para essa explosão de palavras. quem sabe alguém se identifique.


tenho tentado entender que não preciso de um propósito para fazer a vida valer a pena. mas é difícil. é que quando a gente se forma, a gente busca freneticamente uma forma de provar que fez a escolha certa. a gente deposita toda a necessidade de ter esse propósito em um emprego, uma profissão. logo eu, que nem pensava nisso, que sempre pareci me deixar levar. saudade de quando isso não me era vital.

também tem a universidade, né. me sinto desolada sem ela. apresentei o tcc e fim. não teve celebração, não teve abraço, não teve festa de formatura. ao mesmo tempo, aqui dentro tem uma leveza imensa por ter concluído essa etapa, por hoje ter todo o tempo do mundo depois de trabalhar, por não precisar me preocupar com pesquisa, reportagem que o professor pediu, leitura obrigatória, trabalho final. mas ainda não consegui aproveitar esse tal de todo tempo do mundo. ele me escapa. 

não consegui me inscrever em nenhum curso livre, nenhuma aula legal de escrita criativa (e olha que tem de monte). não pesquisei aulas de francês, nem voltei a tocar piano. parece que falta algo. é como se houvesse um espaço imenso entre quem eu sou hoje e o que eu gostaria de fazer. não sei porquê. 



meu amigo me disse que é normal. disse que eu não preciso ser a jovem jornalista brasileira em ascensão. disse para eu aproveitar para descansar. mas eu descanso um pouco e já quero fazer tanta coisa. tanta coisa que não consigo fazer. e nem terminamos janeiro ainda. não sei o motivo da pressa. 

sem contar que queria muito voltar a produzir conteúdo literário. até gravei podcast, só falta terminar de editar. mas não vai. publiquei um vídeo no canal sobre as melhores leituras do ano passado, mas me parece pouco. meu instagram nunca mais viu foto de livro no feed e não é porque não estou lendo. eu tenho lido coisas lindas, mas não consigo falar sobre elas. me sinto empanturrada de uma inspiração que não consegue sair de mim. queria tanto compartilhar com vocês o que tem feito meus dias bonitos.

essa semana eu assisti "soul", da disney. e como sou dessas que acham que tudo é pra si, tomei a mensagem do filme para mim e acolhi. tenho tentado aproveitar as pequenas coisas do dia, no mais clichê possível. passar meu café, correr no pátio do prédio, conversar com quem está perto de mim, fritar mandiopã para ver greys anatomy com a minha mãe, ficar até tarde vendo bbb no multishow. 

vou aos poucos. um dia por vez. acordando e buscando compreender que a vida é isso que acontece enquanto eu penso na melhor forma de viver. 

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