eu vi esse vídeo pela primeira vez em abril, quando passeava pelo bairro para onde me mudei no mês anterior. o passeio foi pelo google maps. é que tem dias que a vista da janela, por mais cheia de opções que seja, não basta.
lembro de partir da porta do meu prédio e arrastar o mouse por tudo quanto era rua aqui de trás. em outra aba do navegador, um site com a história do bixiga, que há muito passaram a chamar de bela vista. gosto mais do primeiro nome porque me lembra adoniran e adoniran me lembra meu vô. falando em adoniran, tem até semáforo com a silhueta dele aqui perto, mas descobri que ele nunca morou aqui. ele morava na rua aurora, lá na república, num desses prédios antigos de esquina que a angela león retratou tão bem no guia fantástico de são paulo, livro que me fez chorar só de ver as ilustrações. de todo modo, foi vendo o site do bairro (eu tô achando tão legal que tem um site do bairro????) que descobri o teatro oficina, um dos primeiros lugares que visitarei quando tudo isso passar.
me mudei para cá no dia 22 de março de 2021, depois de quase seis anos morando em florianópolis. estava desde dezembro morando na casa dos meus pais, em santos, vendo programa da sônia abrão com meu vô à tarde e tentando explicar pra ele que não, vô, eu não tô jogando, eu tô trabalhando... isso, home office que fala (mencionei meu vô umas 4 vezes e temos apenas três parágrafos. perdão, tô com saudades). o que quero dizer com tudo isso é que nos meses em que morei com eles, bateu uma sensação muito difícil de descrever. eu não me sentia em casa.
isso costuma acontecer quando a gente sai da casa dos pais. é um caminho sem volta, irmão. mesmo que você retorne, mesmo que você passe o resto da vida vivendo com eles depois. não é a mesma coisa. frances ha conseguiu explicar direitinho isso que tô tentando falar.
quando resolvi fazer faculdade em outro estado, em 2015, eu não deixei para trás um quarto intocado, com pôsteres da minha adolescência e edredom com meu cheiro. meu irmão logo tratou de pegar o quarto só pra ele e minha cama foi desmontada. meses depois, minha família se mudou para casa dos meus avós, na mesma cidade, e eu não voltei mais para o lugar que por treze anos chamei de lar. acompanhei a mudança toda pelo whatsapp.
demorei muito para chamar floripa de casa. até que um dia consegui e assim foi por anos. depois, deixou de ser. em fevereiro, quando meu pai dirigiu quase 700 quilômetros até lá pra me ajudar a trazer minhas coisas (um patrimônio constituído de livros, algumas roupas e panelas), a pandemia anestesiou o que era pra ser uma despedida. não dei tchau pra ninguém. quando entrei em casa, depois de dois meses longe, na ânsia por sentir o conhecido aconchego, nada senti. é como se eu não pertencesse mais àquele lugar.
eu morava num bairro chamado pantanal, um desses que fica perto da universidade. para chegar lá, tem que sair do centro e atravessar um túnel sentido sul da ilha. fiquei de março de 2020 a dezembro sem atravessá-lo. passei por ele quando fui para santos e depois quando retornei para fazer a mudança. eu adorava o percurso. na ida, via o mar, a ponte hercílio luz, os prédios. na volta, um monte de mato e a sensação de que minha casa tava quase lá, a dois ou três pontos de distância. não importava o caminho, sempre me agradava a vista.
meu trabalho ficava no centro e eu conhecia aquele bairro quase todo, de tanto que desbravava cafeteria depois do expediente. todos os dias eu pegava o UFSC-Semidireto-185, botava alguma da fresno no fone e descia no terminal, de onde caminhava até o prédio atrás da catedral. ia listar algumas saudades, mas lembrei que já fiz isso.
quando retornei à cidade para fazer a mudança, voltei ao centro com o meu pai, para comprar alguma coisa importante da qual não me lembro. tive medo de começar a chorar no meio da rua, entre o moço do compro ouro pago bem no ouro e o cantor que todo fim de tarde trazia sucessos do rick e renner. ou quem sabe ao passar pela loja cheirosa de nome de difícil pronúncia (era uma loja que tinha um cheiro bom demais. eu sempre diminuía o passo quando chegava perto dela). mas não fiquei triste. se eu pudesse descrever o que senti, ou tentar descrever, eu diria que me senti agradecida. foi um abraço de despedida, um ciclo encerrado. por trás da máscara, eu sorri.
ainda passei alguns dias na casa dos meus pais, minhas coisas todas em caixas em cima do armário do meu avô (eita, de novo ele aqui). e então, achei um anúncio de um apartamento cujo aluguel eu poderia pagar e quando isso acontece e você é uma jovem recém-formada sozinha em são paulo, você não pode deixar passar. visitei, assinei papeis, mandei foto segurando o RG com um olhar que dizia moço pelo amor de deus me deixa alugar eu vou pagar. e tô aqui desde então.
aos poucos tenho feito desse espaço minha casa. ainda falta muito para deixar tudo do jeito que eu quero. meu pai, como vocês sabem, adora uma construção. já fez banquinho, móvel pro banheiro, prateleira. comprou até tinta pra gente pintar as portas (verde menta, um arraso). enquanto não me vacino, porém, permaneço vivendo um minimalismo não intencional, passando café depois do almoço e bebendo na janela, uma das formas que encontrei de me sentir em casa. ainda não fiz cartão de ônibus, nem conheci as livrarias e bibliotecas que quero há tanto tempo conhecer. mas sigo sonhando com o dia que vou desbravar essa cidade, que vou entrar na mário de andrade e me agarrar nas pilastras de tanto chorar.
por enquanto, vejo tudo da janela, igual à senhora que passa o dia olhando a paisagem. às vezes, tenho a sensação de que nossos olhares se cruzam, cada uma de um lado da avenida. mas sou míope, então não posso confirmar.