quarta-feira, 22 de setembro de 2021

não sei estar sozinha

sempre quis morar sozinha. era um sonho desde criança. uma vez, aos seis anos, botei na minha mochila do mickey um par de calcinhas, meu brinquedo favorito e um pacote de bolacha. na sala, avisei aos meus pais que estava de mudança. eles entraram na onda, fingiram não ligar. voltei ao quarto, abracei o armário e dei tchau para minha cama. chorei um monte. daí abri a porta do apartamento e desci os dois lances de escada do prédio. quando cheguei embaixo, voltei correndo.

é que eu não sei estar sozinha. eu quero, eu preciso, eu imploro, mas quando vivo a solidão de fato, me dá um negócio aqui dentro. é como estar pelada no meio da avenida paulista. acho que no fundo eu gosto de estar só, desde que eu saiba que posso não estar mais sozinha assim que eu quiser. 

dia desses, caminhei até uma exposição perto de casa. chegando lá, reparei que não abria justamente naquele dia. parei, olhei o celular. pensei em quem eu poderia chamar para estar comigo e nenhum rosto familiar era opção. tava todo mundo longe, em outra cidade. hesitei, pensei em chamar alguém que eu ainda não conhecesse pessoalmente, dessas pessoas legais para quem durante a pandemia eu vivia falando 'nossa, sim, vamos muito tomar um café quando tudo isso passar', mas me deu um de-ses-pe-ro. continuei sozinha mesmo. 

semana passada, um dos meus melhores amigos foi me visitar. senti, por alguns dias, aquela velha sensação de estar perto de alguém conhecido a quem o silêncio não significa uma sensação desagradável. no dia que ele ia embora, para a cidade onde sua família - e a minha - mora, fiz minhas malas e falei que ia junto. varri a casa, tirei tudo da tomada, peguei o metrô, entrei no ônibus e cá estou. sim, vim para casa dos meus pais porque eu não ia suportar a ideia de estar sozinha de novo.

eu sinto falta de abraço. de chamar alguém pra tomar café na minha casa. de chamar alguém pra beber uma cerveja que vira duas que vira três, quatro, que vira outro rolê. mas eu tô paralisada. me sinto incapaz de pensar em assuntos legais, morro de medo de me deparar com uma versão entediante de mim mesma. e tem aquela necessidade de ter certeza de tudo. saber o que a pessoa vai responder e já ter outra frase na ponta da língua para emendar o assunto, evitar silêncios, saber exatamente o que faz o outro rir. 

a saída mais óbvia para essa sensação de enclausuramento, resultado de meses de isolamento social, é abrir mão do controle. é hora de permitir que pessoas desconhecidas decidam se vão ou não gostar de mim, se vão ou não me achar legal, se vão ou não me chamar pra sair outra vez. é difícil porque parece que tá todo mundo tão bem resolvido, todo mundo tão sociável, todo mundo tão-sabendo-exatamente-o-que-falar. talvez eu precise justamente perceber que no fundo ninguém tá bem. tá todo mundo mal (joutjout já havia dito isso, anos atrás). que bom seria se a gente falasse sobre isso. deve ser por esse motivo que resolvi escrever este texto agora. porque sei que quem tá me lendo talvez já tenha também um dia feito as malas, aos seis anos de idade, e tentado fugir rumo a uma solidão que ninguém ensinou a viver. 

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