vejo nela, a narradora e melhor amiga de linda, quem eu era em um passado muito próximo — e às vezes no presente, quando não estou tão consciente de mim —, o que me deixou bastante perturbada.
dentro de fanny há uma vontade imensa de viver outra vida, mas parece que ela não sabe que isso é possível. percebo essa característica porque vivi isso inúmeras vezes e a cada fase da vida me percebo novamente vivendo. é difícil demais sair de uma situação à qual você não se vê presa, apenas sente. quanto mais eu cresço, mais eu entendo a urgência de tirar do fundo de quem sou minhas reais vontades diante da vida. parece que tá tudo muito cheio de poeira, sabe? daí vou lá, varro tudo até enxergar o que realmente quero, o que realmente sou. e quando enxergo, me pergunto como era possível viver sem enxergar. depois de uma angústia estranha, bebo um gole d'água e concluo que trabalho com as ferramentas que estão ao meu alcance. nem sempre a vassoura e a pá estão visíveis.
a forma de linda viver a vida nitidamente encanta fanny, ao mesmo tempo em que a perturba. é como se linda a fizesse lembrar que há algo além do que se mostra como possível para uma mulher como elas nos anos trinta. não sinto que fanny desconhece essa vontade, nem mesmo que ela seja incapaz de estabelecer uma conexão nítida entre as conquistas da melhor amiga e seus próprios desejos. todavia, são muitas subjetividades complexas, como eu disse ali em cima. é difícil simplesmente se dar conta, falar "ata" e resolver, simples como apertar um botão.
tem muito da mãe de fanny em linda, uma mãe que não quis vê-la crescer porque preferiu viver os próprios sonhos, tal como a própria linda fez depois ao ter uma filha. imagino que essa associação seja bastante óbvia na construção das personagens, mas há outras camadas além dessa a serem sentidas, descobertas, percebidas. talvez, seja algo sobre o qual eu não consiga escrever, porque ainda tá muito nebuloso aqui dentro. só sei que olho para a fanny e me dá uma vontade louca de chacoalhá-la e berrar que ela merece viver a vida que, no fundo, deseja; que não é só por parecer estar "no fundo" que não pode ganhar a superfície; que ela pode, que ela deve; que não há motivos para esperar algo grandioso acontecer e direcionar seus passos; que ela pode, enfim, ser livre.
Nenhum comentário
Postar um comentário