dia desses, meu vô disse que tava muito feliz por ver eu e meu irmão crescer na vida. aquilo me tocou o coração por um monte de motivos, mas a principal foi perceber o que significava, naquela frase singela dita por ele, crescer.
meu vô estudou até a quarta-série e se aposentou como soldador de navios da companhia docas de santos. passou um pedação da sua existência lidando com peças gigantes de ferro, em fardas pesadas. antes disso trabalhou em feira, foi cobrador de ônibus. uma vez, foi contratado pra consertar ônibus da prefeitura de santos. numa tarde em que tomei café com ele na mesa da sala, ele me contou como o maneco paciência ficou impaciente quando o viu fazer sozinho 14 suportes de mola para consertar os ônibus que estavam há meses parados na garagem da SMTC (serviço municipal de transportes coletivos), em 1964. "eles não queriam trabalhar", meu vô explica. "e eu ia ficar lá sem fazer nada, coçando? que nada. consertei tudo. ficaram puto."
a relação que tenho com o trabalho tem muito a ver com a que aprendi com minha família. tem muita coisa ruim nisso, ô se tem. mas eu passaria horas fazendo desse texto uma sessão de terapia e eu acabei de sair de uma, então vamos pular pra parte que meu vô fica feliz em me ver crescer na vida, mesmo sabendo que tô trabalhando em um freela que não consegue pagar todas as minhas contas.
no ano que passei no vestibular, meu vô nem sabia o que era uma universidade federal. quando falei, em 2015, que tava saindo de casa pra estudar jornalismo em florianópolis, ele não entendia o motivo. "não dá pra pagar uma faculdade aqui em santos?", perguntava. "a gente parcela, dá um jeito". eu fui embora antes de ele entender o que aquela mudança significava, porque não deu tempo de explicar. hoje, ele sabe o porquê. tanto que quando encontra os amigos na lotérica ou na feira, a primeira coisa que fala ao se referir a mim é que a neta se formou Na Federal.
talvez seja isso que ele chama de crescer na vida. não é sobre ter o emprego ao lado do william bonner, até porque exatamente todo freela que eu consigo meu vô faz parecer O Maior Emprego de Todos os Tempos. "ela trabalha via internet, numa tv dela" foi como ele chamou meu antigo emprego como produtora de vídeos de um canal de educação no youtube.
quando falo que tô esperando poder me formar pessoalmente pra pegar meu diploma vestida de beca, tem gente que não entende. "forma logo pelo meet", alguns dizem. e eu dou risada porque estou fazendo um ótimo uso daquele discurso que viviam me repetindo, o tal do "mas jornalista não precisa de diploma". tô trabalhando mesmo sem ele e é aí que queria chegar com essa reflexão. tanto eu como meu avô sabemos muito bem que crescer na vida não é ganhar milhões de reais, nem ter o último carro dos comerciais. pra gente, existe uma simbologia imensa em estar em certos locais. quando ele fala em crescer na vida, é sobre ter chegado em um lugar onde nenhum antes da gente chegou. e isso é muito.
cada dia que passa, tenho uma única certeza: a de que pegarei meu diploma em breve, tal qual pam ergueu o dundies, um pouco menos bêbada (talvez).