quarta-feira, 19 de outubro de 2022

vou publicar um livro e estou apavorada

se a manie de treze anos lesse este título, provavelmente ela começaria a correr em círculos pelo apartamento tal como fez ao descobrir que my chemical romance faria show em são paulo em 2008. porém, desde que o lançamento do livro começou a ficar mais próximo, passei a entrar em parafuso. taquicardia, suador, vontade de gritar pela janela. o tempo todo afastando a ideia de que isso-não-é-pra-mim ao mesmo tempo que investigo, a cada sessão de análise, essa mesma ideia. 

sempre fui sonhadora. devo ter mencionado aqui no blog pelo menos umas três vezes a frase que ouvi de conceição evaristo, em que ela diz ter esperança não por certeza, mas por teimosia. em 2014, fiz minha primeira tatuagem, uma frase no braço com letras em fonte de máquina de escrever, do filme o fabuloso destino de amélie poulain: são tempos difíceis para os sonhadores. me identificava muito com ela. acho que porque, no fundo, eu sabia que não tinha garantia de nada, mas queria tentar. como disse fernando birri, numa frase comumente atribuída ao galeano, a utopia serve para que a gente não deixe de caminhar

estando meus grandes sonhos a uma considerável distância, nunca me preocupei de fato no que aconteceria se eles se tornassem reais. a principal função de todos eles foi, desde que eu era menina, me fazer andar. me levantar da cama. um motivo para seguir em frente. mas o que eu não contava era que eles poderiam não ser utopia. 

sempre acho que coisa grande não é pra mim. mesmo assim, desde pequena fui comendo pelas beiradas, chegando tímida, pedindo licença para entrar espaços que não haviam sido projetados para gente como eu. foi o que vivi na universidade, nas minhas idas à flip sozinha, ao me mudar pra são paulo. a questão agora é que, por descobrir que meus sonhos não eram impossíveis, eles se aproximaram de mim. e um deles, o de publicar um livro, tá perto demais. aaaaaaaaaaa.

por engano e desconhecimento, eu achava que realizar sonhos só me traria sensações boas. não contava, porém, que me aproximar do que sempre esteve confortavelmente distante servindo apenas como razão para caminhar me faria encarar medos que eu carregava em mim há tempos e nem percebia. eu não tinha me dado conta de como me botei pra baixo tantas vezes nesses vinte e oito anos de existência. só agora percebo o quanto me vejo de fora das coisas vividas, como se eu tivesse apenas observando. talvez seja por isso que me identifico com fleabag. vai saber.

com ou sem medo, o fato é que publico meu primeiro livro no mês que vem. é um livro-reportagem sobre histórias de mulheres negras que passaram pela transição capilar, meu tcc na ufsc, um trabalho que comecei a produzir em 2018. faz mais de um ano que recebi a notícia, da editora, de que ele seria publicado. e não tem um só dia que não questiono o universo com perguntas do tipo "será que eles confundiram com outra pessoa?". da mesma forma que me questionei, no ano passado, quando um jornalista me ligou dizendo que uma professora da universidade havia me indicado para um freela de jornalismo investigativo. tal qual luana piovani ao descobrir que pedro scooby iria para o bbb, pensei 'oi?????' enquanto sorria e falava 'claro, tenho interesse'. eu tô sempre duvidando das coisas boas que acontecem comigo, hesitando, desconfiando. haja terapia.

morro de medo de descobrirem que da tese de sueli carneiro, que listei nas referências ao fim do livro, li apenas um trecho. ou ainda de me fazerem uma pergunta no dia do lançamento e eu gaguejar, esquecer o que tô fazendo ali, a voz falhar. guardo comigo o conselho de amigas queridas que têm sido fundamentais para eu não sair correndo, mudar de nome e endereço. elas me disseram que tudo bem não saber de tudo e que, sempre que eu não tiver certeza de como responder a um questionamento, a resposta "não sei" estará à minha disposição. um mantra que repito todos os dias.

quando o livro estiver impresso, com data de lançamento, eu aviso aqui e em minhas redes sociais. o primeiro lançamento vai ser na flip, em paraty (GRITANDO PELA JANELA), e vai ter outro em são paulo também. quem quiser aparecer para celebrar esse momento comigo, será muito bem vinde. 

e já que vim usufruir da função 'diário' que o blogspot oferece, aproveito pra contar como foram as últimas semanas - o que pode servir como contexto pra toda essa afobação. por aqui, um monte de coisas acontecendo ao mesmo tempo enquanto parece que nada acontece. pedi demissão do meu último emprego e depois de seis anos trabalhando-sem-parar finalmente passei tardes inteiras jogando dead by daylight. ter tempo para pensar foi bom e assustador. comecei a usar mais meu bullet journal (antes, guiava meu dia pela rotina do trabalho e escrevia apenas na agenda de tarefas da agência onde trabalhava). comecei a fazer yoga todos os dias. voltei a escrever mais, publiquei episódio novo no podcast depois de meses, criei uma newsletter. no meio disso, consegui um freela para o uol educação e publiquei minha primeira reportagem para um veículo grande

é muita coisa. 

e por saber que é muita coisa é que listo aqui, pra lembrar que a vida tá acontecendo. aquela vida que a manie de treze anos sonhava em viver mesmo sem ter certeza de nada. 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

saia pra lá com o seu macchiato

ao contrário de mim, meu pai não tem paciência pra café bonito. absolutamente em toda cafeteria que ele vai, ele pede, antes mesmo de ver se tem no cardápio: uma caneca de café com leite.

uma vez, a gente foi num lugar que só tinha café diferentão, e ele pediu o de sempre. o garçom chegou com aproximadamente 0.05ml de leite + um mini coador com café preto. meu pai ficou tentando entender o que tava rolando ali, como se tivesse vendo arte abstrata em museu. 

o moço passou o café na frente dele por cerca de 1 minuto, meu pai ainda sem entender. em seguida, virou o café coado na micro canequinha de leite, ao que meu pai, abismado, perguntou: é amostra grátis?

terça-feira, 14 de junho de 2022

de volta à superfície, reaprendo a nadar

este primeiro semestre passou por cima de mim igual onda grande, dessas que a gente acha que vai escapar passando por baixo. a pressão de fora me tomou por dentro e um aperto agudo me atravessou. lá no fundo, eu ouvia sons desbotados sem discernir quem falava, o que falava, como era dito. tudo era um borrão distante e eu parecia longe de mim. eu havia me deixado na superfície, inerte, enquanto eu mesma afundava cada vez mais. vez ou outra, ouvia uma risada apagada vinda lá de cima, um quentinho distante. o esforço para subir, todavia, me arrebatava sozinho, como se não coubesse a mim tentar. como se o próprio esforço fugisse das minhas mãos. afundei. 

teve dia que, ao preparar o jantar, me doía o peito de repente. então, eu desligava o fogo, a comida cozida pela metade, e me recolhia no sofá, onde me cobria com uma manta macia. não demorava e as lágrimas vinham, pesadas. no whatsapp, me perguntavam se estava tudo bem e me dava ainda mais vontade de chorar. quando dei por mim, havia passado meses de recolhimento no mesmo canto do sofá, a televisão na globo transmitindo coisa qualquer que me fizesse menos sozinha. ri de novelas ruins, assisti a um bbb sem graça, vi a guerra pelo jornal nacional. 

notaram, numa terça-feira ao fim do dia, que eu precisava de companhia. mais que isso, ajuda. me apropriei da soberania que ainda restava em mim, abri a conversa no celular e confirmei. quando terminou o expediente, o henrique, meu namorado, desviou o caminho de casa e veio até mim. pediu lámen, trouxe dois livros e um abraço apertado. um dos exemplares era uma coletânea de crônicas do machado de assis chamada bons dias. fingi que acreditava no que o título dizia e botei fé no meu fingimento. mesmo sem vislumbrar luz no fim daquilo que me consumia, me permiti ser acolhida. aceitei ajuda. jantamos, assistimos crescidinhos, da netflix. me senti em casa, na minha própria casa. reparei que além do henrique, outras pessoas queridas estavam por perto. li suas mensagens, aceitei afagos, mesmo a distância. eu não estava sozinha e isso era muito.

olhando do presente, enquanto tomo café depois do almoço, percebo que via nesses meses tortuosos uma pausa na existência. parece que não vivi, sabe? e é doido, porque se tem uma coisa que fiz, no meio de toda a desesperança possível que me abateu desde janeiro, foi viver. tirei de mim uma força impetuosa pra acordar, fazer meu pão na chapa, ligar o computador para trabalhar. até mesmo entender que haveria dias de produção quase nula me exigiu coragem, assombrada pelo medo de me descobrirem deprimida e me demitirem por improdutividade. hoje, de fora, acho insana essa ideia. fiz muito com pouco. 

amei dois filmes: les nuits de la pleine luneich bin dein mensch. li tudo é rio, da carla madeira, e grifei todinho. assisti aos dois últimos filmes da trilogia antes do amanhecer e achei chatos (podia ter ficado só no primeiro, impecável). conheci pelo menos dez cafeterias em são paulo. de longe, o texto ladainha da sobrevivência, da yasmin santos - publicado na serrote -, foi um dos mais bonitos dos últimos tempos. me formei jornalista na ufsc. recebi da editora a primeira versão revisada do meu livro. tive a experiência catártica de ter participado de uma oficina de microcontos e outra de crônicas ministradas pela tayná saez, do sutilezas atômicas. aprendi a fazer banoffee.  fiz aulas de yoga da pri leite e até que fui bastante à academia. passeei pela paulista. descobri que a mistura de doce de leite + coco + macadâmia crocante, do bacio di latte, é divina. quando reparei, tava voltando a ver beleza na sombra que a janela faz na parede do meu quarto pela manhã. 

me surpreende pensar que, enquanto estive submersa, havia vida. perceber o próprio movimento mesmo na pausa me ajuda a entender que todos esses meses não foram tempo perdido. longe de mim romantizar a dor, mas mesmo nela há o que se notar. peguei a angústia não como algo a ser aniquilado, mas compreendido. confesso que ainda falta muito a entender sobre ela, mas estou contente por tê-la acolhido em meus braços e entendido que o que eu via como hiato era, na verdade, parte do todo. 

estou e estive viva. nada parou. as ondas continuam a me cobrir, mas eu, que sou ligeira, mergulho de um jeito que me permite voltar para pegar fôlego. ao mesmo tempo, não sou ingênua e sei que em outro tempo pode ser que eu me afaste novamente da superfície. só que, diferente de antes, tentarei lembrar que eu não vou estar lá em cima, longe de mim: estarei comigo, mesmo no fundo, reaprendendo a nadar mais uma vez.

terça-feira, 3 de maio de 2022

as coisas prendem a respiração

o ano virou estranho. num pulo, fui parar em maio. e que pulo danado de difícil foi esse, hein? aqui dentro, um monte de coisa quer ganhar vida. ideia de curso pra fazer, oficina de escrita pra dar, livro novo pra escrever, viagens pra ticar da agenda, passeios em cafeteria nova pra desbravar, episódios de podcast prontos para serem gravados, sabonete esfoliante na prateleira da loja de produto artesanal esperando ser comprado. vontades que aos poucos destravam como se pedissem licença pra aflorar justo num momento que não cabe flor. quero muito e posso pouco. querer não basta. no meio disso, perdi meu vô. só não me entrego ao desespero porque estou cercada de amor, mas tem dias de muito desânimo, de louça na pia, de nós no cabelo. dias em que me falta qualquer perspectiva. vazio. estou tentando construir aos pouquinhos um jarro bonito com pedaço de vidro quebrado. por enquanto, a única possibilidade é a paciência. quando der, apareço aqui de novo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

eu não faço a menor ideia do que fazer em 2022

ano novo tem dessas, né? um monte de coisa na cabeça e ao mesmo tempo nada. sinto como se minha vida fosse uma folha de papel em branco e alguém tivesse jogando um monte de caneta bic pra eu escrever alguma coisa. de mim, nada sai. planos parecem improváveis, não consigo prever nada além do que vou comer no almoço -- e ainda assim, tem dias de ifood. mando mensagem pros amigos e tá todo mundo na mesma. de um deles veio um conselho que tem me ajudado: parar de pensar no que farei no ano e começar a pensar no que farei no dia. ousada que sou, cogitei pegar um pedaço do meu próximo domingo para organizar almoços da semana seguinte. porém, fora os fatores gastronômicos, permaneço focando apenas nas horas que tenho depois que, com muito custo, me levanto da cama. deu certo um dia, no outro um pouco mais. hoje, acordei melhor. me inscrevi em curso de escrita porque não aguento mais só trabalhar, respondi email da farmácia de manipulação sobre orçamento da minha vitamina b12, li um pouco no sofá. na agenda, uma lista de filmes que parecem legais impede que eu passe um tempão rolando o netflix e termine vendo novela ruim da globo -- fala sério, aquelas três irmãs tratando os mesmos problemas-super-sem-graça como se fossem homéricos, há trocentos capítulos, me fazem confirmar o quanto gente rica é insuportável. sigo sem a menor ideia do que fazer em 2022 e isso tem me angustiado um tiquinho menos. me agarro com urgência ao cotidiano, lembrando que é nele que as coisas acontecem. agora, por exemplo, vou trabalhar. 
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